terça-feira, 15 de abril de 2008

Clássicos da Sessão da Tarde - parte II


Conta Comigo (Stand By Me)

Mais um clássico que marcou época, Conta Comigo (Stand By Me) conta a história de quatro garotos que saem à busca do corpo de um adolescente desaparecido. A história se passa no ano de 1959, numa pequena cidade do estado do Oregon, EUA.

Percorrendo uma distância de aproximadamente 30 quilômetros, os garotos levam dois dias para chegar ao local almejado. Durante o percurso, a viagem se transforma numa odisséia marcada por sentimentos múltiplos – alegria, tristeza, raiva – mas, antes de tudo, é uma lição sobre a descoberta da verdadeira amizade.

Entre os atores do filme, destaque para a atuação da jovem promessa River Phoenix, no papel do durão Chris Chambers, precocemente morto em 1993, após cometer suicídio. Era o irmão mais velho do também ator Joaquin Phoenix.

Uma bela película, garanto.




A clássica cena do trem


Cena final do filme


Ben E. King interpretando a canção "Stand By Me"

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Clássicos da Sessão da Tarde - parte I

Bons tempos aqueles quando saíamos mais cedo da escola e dava tempo de assistir um dos clássicos da “Sessão da Tarde”. Nada de bichos falantes, chimpanzés esportistas ou gêmeas Olsen. Quem não se lembra do assustador Slot, d’ “Os Goonies”? Ou o Sr. Myiagi podando bonsais e ensinando o jovem Daniel San a lutar, em Karatê Kid? E o ensandecido Ferris Bueller, em “Curtindo a Vida Adoidado?”

Pra começar a série, trago um filme que fez muito nerd vibrar. Aqui no Brasil ficou conhecido como “Te Pego Lá Fora”. Vale a pena relembrar a célebre cena em que o franzino Jerry Mitchell derrota numa briga o brutamontes Buddy Revell. Que vontade de ter um soco inglês desses...




domingo, 30 de março de 2008

Quintal das lembranças - parte VII

Israel “Bruddah IZ” Kamakawiwo'ole

O gigante suave

É verdade que muita gente já escutou – seja em filmes, programas de tv ou rádio – um cantor de voz suave, que acompanhado apenas de sua “pequena viola”, interpreta um medley das canções What a wonderful world e Somewhere over the rainbow. Todavia, poucos sabem de quem se trata. O cantor em questão é o havaiano Israel Kamakawiwo'ole (* 20/05/1959 – Honolulu, Hawaii; † 26/06/1997 – Honolulu, Hawaii), também conhecido como Bruddah IZ.

No ano de 1993, o cantor lançou um disco memorável, Facing the Future, o qual projetou a sua música para além das ilhas havaianas. Entre as canções do disco, a já comentada versão dos sucessos What a wonderful world, clássico imortalizado na voz de Louis Armstrong, e Somewhere over the rainbow, da trilha sonora do filme “O mágico de Oz".

Sempre acompanhado do seu ukelele (ou guitarra havaiana), Bruddah IZ celebrou em suas canções as belezas naturais do Hawaii e as tradições do seu povo. Por outro lado, IZ foi um militante veemente contra a submissão do Hawaii ao governo norte-americano. Descendente de uma linhagem nobre de nativos havaianos, IZ não poderia aceitar que a cultura do seu povo deixasse de existir, dando lugar aos valores ianques. Essa postura fez dele o artista mais cultuado pela população havaiana, e até hoje suas canções estão presentes por todo o arquipélago.

Em 1997 a voz suave de IZ se calou. Com 1,88m de altura, Israel Kamakawiwo'ole chegou a pesar 343 kg. Aos 38 anos faleceu em virtude de problemas respiratórios decorrentes da obesidade mórbida.

Numa tradicional cerimônia havaiana, as cinzas de Bruddah IZ foram lançadas ao mar. Milhares de pessoas acompanharam sua despedida. Mas a sua música sempre continuará entre nós.


Medley Somewhere Over the Rainbow/What a Wonderful Worl. Ao final, cenas do funeral de Bruddah IZ


Bruddah interpreta a canção White Sandy Beach of Hawaii


Música Hawai'i 78

quinta-feira, 6 de março de 2008

rápido e rasteiro

rápido e rasteiro

vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar.

aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida

(Chacal)

Quintal das lembranças - parte VI

Wilson Simonal
O rei da "pilantragem"

Wilson Simonal de Castro (* 26/2/1939 – Rio de Janeiro, RJ; † 25/6/2000 – Rio de Janeiro, RJ), pode ser considerado o primeiro showman da música brasileira. Dono de uma voz privilegiada, à qual ele alinhava um profundo senso de ritmo e afinação, Wilson Simonal tornou-se um dos principais intérpretes da música brasileira nas décadas de 1960 e início dos anos 1970.

Uma de suas principais virtudes certamente foi incorporar em suas interpretações um certo swing advindo do jazz norte-americano, o que fez dele um cantor sui generis. Nascia aí o movimento musical denominado “pilantragem”.

Wilson Simonal transitava tranquilamente entre os repertórios do samba, bossa nova, tropicália e jovem guarda. No ano de 1962, lançou um disco revolucionário, intitulado A nova dimensão do samba, no qual interpretava, dentre outras, canções de Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Moacir Santos e Johnny Alf. Neste trabalho pioneiro, Wilson Simonal mesclou influências do jazz e da música pop americana com elementos da bossa nova e do samba.

Com o sucesso crescente, Simonal foi convidado para apresentar um programa na tv Record, intitulado "Show Em Si Monal", algo inédito, vez que foi o primeiro artista negro a comandar um programa televisivo no Brasil.

Bem sucedido, Wilson Simonal era o dono de um dos maiores cachês na época. Poucos sabem, mas é da sua lavra a expressão patropi, presente na canção País Tropical, de Jorge Ben, surgida quando resolveu cantar pela metade as palavras da música: “mo... num pa tro pi...”. A expressão transformou-se num jargão usado para referir-se ao país de então, de liberdades reprimidas pela ditadura militar.

Reconhecido pelo talento e bem sucedido na carreira, Wilson Simonal viu o seu trabalho ruir quando uma reportagem de 1972, do jornal O Pasquim, o acusou – sem qualquer provas – de “dedo duro”. Tal fato deu-se quando Simonal descobriu um desfalque em suas contas dado por um contador. Todavia, em vez de processasr judicialmente o camarada, Simonal, que tinha amigos na polícia, entregou o sujeito para os amigos policiais ligados aos órgãos de repressão, a fim de darem uma lição no desonesto.

As portas fecharam-se. As rádios não executavam mais suas canções. Tampouco os canais de televisão se interessavam por ele. Muitos artistas viraram-lhe as costas. O fato é que entre os anos de 1972 a 2000 pouca coisa foi noticiada sobre o velho Simonal. Nem mesmo a imprensa preocupou-se em investigar as acusações infundadas do Pasquim. Ninguém se preocupou em inocentar um artista que supostamente delatava colegas de profissão para o regime ditatorial. Isso era inadmissível. Sendo ele negro então, isso era um verdadeiro absurdo. Onde já se viu, inocentar alguém assim!

O fato é que Wilson Simonal faleceu em 2000, jurando até o último segundo que era inocente. Em 2002, seus familiares ingressaram com um pedido judicial para apurar os fatos. E como era de se esperar, nada foi encontrado nos arquivos do SNI, órgão máximo da repressão. Em 2003, num julgamento simbólico, Simonal foi moralmente reabilitado pela Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o que não deixa de ser uma hipocrisia, já que a importância da obra de Wilson Simonal o coloca entre os pais da moderna música popular brasileira.

Em tempo: numa entrevista dada à Revista Época, o cartunista Jaguar, na época um dos editores e responsáveis pela reportagem veiculada no Pasquim, admitiu que não havia qualquer prova do envolvimento de Simonal com a ditadura. Jaguar foi mais longe, dizendo-se orgulhoso “de ter ajudado a destruir a carreira do cantor”.



Wilson Simonal interpretando "Tributo a Martin Luther King"


Áudio da música "Nem vem que não tem"


Medley cenas - documentário sobre a obra de Wilson Simonal

terça-feira, 4 de março de 2008

Dante Milano

Pode-se dizer que a qualidade dos versos do poeta carioca Dante Milano (1899 – 1991) é inversamente proporcional à sua popularidade. Embora celebrado e aclamado por vários escritores, entre eles ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade, o poeta sempre foi avesso à fama, recusando-se até mesmo a candidatar-se à Academia Brasileira de Letras.

Sua poesia sustenta-se na tensa linha que separa lirismo e racionalismo. Dono de uma poesia atemporal, de versos que se mostram aparentemente simples, Dante Milano, assim como o cronista Rubem Braga, é um mestre na “difícil arte de escrever fácil”.

Conheça mais sobre a vida e a obra de Dante Milano.



O amor de agora é o mesmo amor de outrora

O amor de agora é o mesmo amor de outrora
Em que concentro o espírito abstraído,
Um sentimento que não tem sentido,
Uma parte de mim que se evapora.
Amor que me alimenta e me devora,
E este pressentimento indefinido
Que me causa a impressão de andar perdido
Em busca de outrem pela vida afora.
Assim percorro uma existência incerta
Como quem sonha, noutro mundo acorda,
E em sua treva um ser de luz desperta.
E sinto, como o céu visto do inferno,
Na vida que contenho mas transborda,
Qualquer coisa de agora mas de eterno.


Canção bêbeda

Estou bêbedo de tristeza,
De doçura, de incerteza,
Estou bêbedo de ilusão,
Estou bêbedo, estou bêbedo,
Bêbedo de cair no chão.


Os que me virem caído
Pensarão que estou ferido.
Alguém dirá: "Foi suicídio!"
"É um bêbedo!" outros dirão.


E ficarei estirado,
Bêbedo, desfigurado.


Talvez eu seja arrastado
Pelas ruas, empurrado,
Jogado numa prisão.


Ninguém perdoa o meu sonho,
Riem da minha tristeza,


Bêbedo, bêbedo, bêbedo,


Em mim, humilhada a glória,
Escarnecida a poesia,


Rasgado o sonho, a ilusão
Sumindo, a emoção doendo.


E ficarei atirado,
Bêbedo, desfigurado.


Ao tempo

Tempo, vais para trás ou para diante?
O passado carrega a minha vida
Para trás e eu de mim fiquei distante,

Ou existir é uma contínua ida
E eu me persigo nunca me alcançando?
A hora da despedida é a da partida

A um tempo aproximando e distanciando...
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando andando andando andando andando

Tempo, vais para diante ou para trás?


Cenário

Tudo é só, a montanha é só, o mar é só,
A lua ainda é mais só.
Se encontrares alguém
Ele está só também.

Que fazes a estas horas nesta rua?
Que solidão é a tua
Que te faz procurar
O cenário maior,
O de uma solidão maior que a tua?

CREEDENCE CLEARWATER REVIVAL

Da esq. p/ dir.: John Fogerty, Doug Clifford, Tom Fogerty e Stu Cook




Poucas bandas encarnaram tão a sério a máxima que diz “uma banda de rock é feita de homens e riffs” quanto o Creedence. Foi no ano de 1958, quando os amigos de um colégio de São Francisco, Califórnia, John Fogerty (guitarra e vocal) e Doug Clifford (bateria), resolveram criar uma banda de rock. Após os primeiros ensaios, resolveram convidar um outro colega de classe, Stu Cook (baixo), para integrar o conjunto. Nascia o Blue Velvets.

Posteriormente, o irmão mais velho de John, Tom Fogerty, que já era conhecido na cena local como integrante de outro conjunto, convidou o Blue Velvets para acompanhá-lo na gravação de uma demo. Surgia o Tommy Fogerty and The Blue Velvets. O grupo então foi batizado de Creedence Clearwater Revival, inspirado no nome de um amigo de Tom, Credence Nuball. Já o termo Clearwater faz referência a uma marca de cerveja da época. E Revival, que em português significa “renovação”, reproduzia o sentimento do grupo que acabava de nascer.

A banda, porém, vivia tempos difíceis, já que o máximo que conseguia era realizar alguns shows pela costa oeste americana. Atravessando dificuldades financeiras, o sucesso veio a partir do verão de 1967, quando o Creedence regravou a música Suzie Q, de Dale Hawkins, tornando-se um grande sucesso nas rádios, antes mesmo do lançamento do primeiro disco da banda.

Em 1969, o Creedence lança 3 discos, sendo que um deles continha um dos maiores sucessos da banda, a canção Proud Mary. Nessa época, a revista Rolling Stone elege o Creedence a maior banda de rock americana, chegando a figurar no topo da lista de singles da Billboard, o que não deixa de ser um fato notável, já que o mundo do rock experimentava a todo vapor a invasão inglesa, capitaneada, obviamente, pelos Beatles. A confirmação do sucesso veio com o festival de Woodstock, onde fizeram um show memorável.

No ano de 1970 foi lançado o álbum Pendulum, que trazia entre suas canções aquela que transformou-se no maior sucesso do grupo – Have you ever seen the rain? – transformada em hino e regravada por artistas no mundo inteiro.

Mas com o sucesso vieram as brigas. John Fogerty era o principal artista da banda. Vocalista de voz grave e anasalada, guitarrista competente e compositor de grande parte dos maiores sucessos do grupo, os outros integrantes assumiam uma posição secundária em relação a ele, o que gerava grande incômodo.

Em 1972 John Fogerty separou-se do conjunto e seguiu uma promissora carreira solo. Em 1990 o irmão de John, Tom Fogerty, morreu de problemas respiratórios decorrentes do vírus HIV. O baterista Doug Clifford e o baixista Stu Cook montaram o Creedence Clearwater Revisited, que se apresenta até os dias de hoje, tocando os clássicos que fizeram sucesso com o Creedence original. Mas a verdade é que os quatro, juntos, escreveram uma das mais belas – e importantes – páginas da história do rock.


Have you ever seen the Rain?



Heard It Through The Grapevine


John Fogerty cantando Who'll Stop The Rain

segunda-feira, 3 de março de 2008

Paratodos

Por aqueles tempos Tom Jobim andava triste, distante da música, quiçá desiludido com as coisas do Brasil e certamente abalado pela doença que consumia suas forças. Chico Buarque então lhe mandou uma gravação e pediu que o amigo a escutasse, ainda que a contragosto. Tom emocionou-se com os versos da canção Paratodos, na qual Chico Buarque declara toda a importância do amigo na sua formação musical. Uma justa homenagem ao maestro Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim.


Mussum Forevis

É verdade que soa como clichê a recorrente observação de que "antigamente que era bom". Pelo menos em termos de produção cultural a referida observação adequa-se perfeitamente ao passado brasileiro. Já não temos tantos escritores de qualidade comparável com os de outrora (Drummond, Rosa, Vinicius, Clarice, João Cabral, Cecília, Bandeira...). Muito menos vivenciamos o surgimento de novos ritmos musicais, como o foram a bossa nova, a tropicália, a jovem guarda, o movimento rock dos anos 80, encabeçado por gênios como Cazuza e Renato Russo. Novos talentos surgem aqui e ali, mas nada que nos proporcione a sensação de "impacto".

Na televisão também não é diferente. Os humorísticos são cada vez mais entediantes, sempre repetindo os mesmos quadros da semana passada. Nada do que é feito hoje se compara à genialidade de artistas como o saudoso Antõnio Carlos Gomes, o eterno Mussum da Mangueira.

E de pensar que no futuro corremos o risco de sentirmos saudades dos dias de hoje...



domingo, 2 de março de 2008

Quintal das lembranças – parte V


Zé Keti
A voz do morro


José Flores de Jesus (* 16/09/1921 – Rio de Janeiro, RJ; † 14/11/1999 – Rio de Janeiro, RJ), o inesquecível Zé Keti, certa vez, durante o Show Opinião, justificou assim a origem do seu apelido:

Quando minha mãe ficou sozinha, pra me sustentar, ela foi ser empregada doméstica... quando minha mãe voltava eles diziam assim pra ela: – Dona Leonor, o Zé ficou quieto, o Zé ficou “quetinho”! – Zé quetinho, Zé quetinho e acabou Zé Keti. Aí então eu comecei a escrever meu apelido com “K”, porque K tava dando sorte, tava por cima... Kennedy, Krushev e Kubitschek. É camaradinha, mas eu acho que a sorte agora mixou, hein? (referindo-se ao início da ditadura militar).

O nome de Zé Keti figura no panteão dos imortais do samba, ao lado de Cartola, Nelson Cavaquinho, Noel Rosa, Ismael Silva, Moreira da Silva e tantos outros. Só para se ter idéia, Zé Keti foi escolhido diretor artístico do lendário Zicartola, cabendo a ele selecionar os sambistas e compositores que se apresentariam no bar comandado pelo casal Cartola e Dona Zica da Mangueira. Foi numa dessas ocasiões que ocorreu o lançamento do cantor e compositor Paulo César, o Paulinho da Viola, assim apelidado pelo seu amigo Zé Keti.

Foi também na época do Zicartola (primeira metade da década de 1960) que Zé Keti estabeleceu contato com artistas da Bossa Nova, entre eles Carlos Lyra e Nara Leão. Nascia aí a idéia do Grupo Opinião (já citado neste blog), que teve como inspiração um samba de Zé Keti, também chamado Opinião.

Zé Keti era um compositor versátil. Em certos momentos, seu lirismo se iguala a de um Cartola, como podemos perceber em Mascarada. Em outros momentos, sobressai a verve jocosa, característica do bom malando suburbano, tal qual um Moreira da Silva. Zé Keti também compôs marchas carnavalescas, até hoje entoadas, como é o caso de Máscara Negra.

Mas foi com as letras de protesto que as composições de Zé Keti ganharam um traço próprio, diferenciando-o dos compositores de samba tradicionais. Insurgindo-se contra o regime ditatorial, Zé Keti ousou compor sambas que contestavam os novos conceitos pregados pelos militares. Assim o fez em Opinião, música-protesto contra o movimento de desocupação das favelas e revitalização dos centros urbanos:

"Podem me prender
Podem me bater
Podem, até deixar-me sem comer
Que eu não mudo de opinião
Daqui do morro
Eu não saio, não
Se não tem água
Eu furo um poço
Se não tem carne
Eu compro um osso
E ponho na sopa
E deixa andar(...)"


No mesmo sentido é o samba O favelado, o qual destilava os seguintes versos:

“O morro tem sede
O morro tem fome
O morro sou eu, o favelado (...)”


Zé Keti faleceu em 14 de novembro, aos 78 anos, de falência múltipla dos órgãos. E com sua morte, o samba perdeu um dos seus artistas mais completos. E o morro perdeu o seu maior porta-voz.



Zé Keti interpretando Mascarada (Letra: Zé Keti/Elton Medeiros)



Zé Keti interpretando A voz do morro, um dos seus maiores sucessos

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Pílulas do Grande Sertão

João Guimarães Rosa preparando-se para sair em comitiva pelos sertões mineiros

Não esboçarei qualquer tentativa de resenha acerca deste livro. Basta uma rápida visita ao Google e o internauta encontrará monografias, teses, dissertações, tratados e afins dando conta do universo roseano descrito nas páginas do Grande Sertão: Veredas. O idioma fica à escolha do leitor, já que a obra foi traduzida para o italiano, alemão, inglês, francês, espanhol... em inglês, o livro foi batizado com o título The Devil to Pay in the Backlands, certamente em referência à frase constantemente repetida pelo jagunço Riobaldo, “o diabo na rua, no meio do redemunho”.

O que posso dizer é que com este livro o Brasil certamente ganharia um Nobel de Literatura. Os editores estrangeiros já haviam decidido lançar o nome de Guimarães Rosa como candidato ao prêmio. Mas João partiu antes. Ou como ele dizia, “as pessoas não morrem, ficam encantadas”.

A idéia das “Pílulas do Grande Sertão” eu retirei do site Poesia.net. A elas acrescentei algumas pílulas garimpadas por mim, ao longo da minha terceira leitura deste que,na minha singela opinião, é a maior obra edificada sob o idioma português, ou melhor dizendo, roseano.


Coração de gente — o escuro, escuros.

Quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade.

Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar.

No sistema de jagunços, amigo era o braço, e o aço!

Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou — amigo — é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é.

O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.

Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.

A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.

O diabo é às brutas; mas Deus é traiçoeiro!

Quem muito se evita, se convive.

Julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado.

O que lembro, tenho.

Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.

Quem mói no asp'ro não fantaseia.

Quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente.

Vingar... é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais.

Comandar é só assim: ficar quieto e ter mais coragem.

Toda saudade é uma espécie de velhice.

Riu de me dar nojo. Mas nojo medo é, é não?

Um sentir é do sentente, mas outro é do sentidor.

Manter firme uma opinião, na vontade do homem, em mundo transviável tão grande, é dificultoso.

Viver — não é? — é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver mesmo.

Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães...

Feito flecha, feito fogo, feito faca.

Vi: o que guerreia é o bicho, não é o homem.

Tudo é e não é.

Mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir.

Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!

O sertão é do tamanho do mundo.

Sertão é dentro da gente.

O sertão é sem lugar.

O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa.

O sertão não chama ninguém às claras; mais, porém, se esconde e acena.

O sertão é uma espera enorme.

Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas.

A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero.

A vida é muito discordada. Tem partes. Tem artes. Tem as neblinas de Siruiz. Tem as caras todas do Cão e as vertentes do viver.

O senhor vá ver, em Goiás, como no mundo cabe mundo.

Mas, por cativa em seu destinozinho de chão, é que árvore abre tantos braços.

Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza.

Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

A mocidade da gente reverte em pé o impossível de qualquer coisa.

O mal ou o bem, estão é quem faz; não no efeito que dão.

Viver é etcétera...

O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe pra gente é no meio da travessia.

Confiança - o senhor sabe - não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa.

O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Quintal das lembranças – parte IV

João do Vale
O carcará encantado


João Batista Vale (*11/10/1933 - Pedreiras, MA; † 6/12/1996 - São Luís, MA), ou simplesmente João do Vale, foi o quinto numa família de oito irmãos, dos quais somente três sobreviveram.

Ainda garoto, foi obrigado a deixar a escola, a fim de ceder o lugar para o filho de um coletor de impostos recém chegado na região. Aos 12 anos de idade, mudou-se, juntamente com a família, para a capital maranhense. Aos 15 anos, fugiu de casa, indo para Teresina, onde trabalhou como ajudante de caminhão. Viajou para várias cidades, e numa dessas oportunidades chegou a Salvador. De lá, decidiu que iria para o Rio de Janeiro.

Na capital carioca, João do Vale conseguiu o serviço de pedreiro. Como não possuía residência fixa, dormia ali mesmo, no interior das construções. Durante o dia, ocupava-se no ofício. À noite, visitava rádios, à procura de artistas que gravassem suas composições. Numa dessas oportunidades conheceu Tom Jobim, que tocava piano num inferninho de Copacabana.

Nos anos 1950, suas músicas começaram a ser gravadas por alguns artistas. Fato relevante dessa época foi a parceria firmada com Luiz Gonzaga, artista já consagrado, o que se deu em 1957.

Já no início da década de 1960, a convite do sambista Zé Kéti, passou a apresentar-se no Zicartola, importante reduto de sambistas e compositores populares. Nascia ali a idéia do Show Opinião.

E o carcará ascendeu o seu vôo no cenário musical brasileiro. Gravado por artistas como Chico Buarque, Fagner, Maria Bethânia, Tom Jobim, Edu Lobo, Paulinho da Viola, Nara Leão e tantos outros, João do Vale representava o ideal de um artista em estado puro, genuinamente brasileiro, que carregava em seu canto o sofrimento dos milhões de sertanejos esquecidos e órfãos do seu próprio país.

Fato pessoalmente marcante foi quando conheci, aqui em Goiânia, uma sobrinha do inesquecível João do Vale. Na ocasião eu era estagiário em um órgão público federal (que por sinal estava de greve). Naquele momento entretinha-me ouvindo o Show Opinião quando a faxineira adentrou a sala. Então perguntei-lhe se conhecia, ou pelo menos ouvira falar, em João do Vale. Ela, sem qualquer alarde, disse-me que ele era seu tio. Espantado com a resposta, perguntei-lhe qual a sua origem, ao que ela respondeu:

- Eu sou de Pedreiras, irmão!

Então ela me contou que João do Vale era irmão da sua avó materna. Ela mesma o vira algumas vezes, quando criança. E disse-me que ele era um homem simples, tendo como fraqueza maior a cachaça. Falou-me também de quando João do Vale regressou à Pedreiras em definitivo, vitimado por um derrame. E falou-me da praça que leva o seu nome, e do seu local de nascimento, Lago da Onça, zona rural de Pedreiras...

Para saber mais sobre João do Vale e outros artistas:

http://www.dicionariompb.com.br/



João do Vale e Jackson do Pandeiro juntos, interpretanto a música "O canto da ema", de João do Vale

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Show Opinião


Vários “Brasis” dialogando juntos no mesmo palco

1964. Em abril daquele ano o país experimentava o início dos anos de chumbo da ditadura militar. Musicalmente falando, a bossa nova ainda era o gênero mais conhecido, e agora admirado, no mundo inteiro.

Todavia, a bossa nova já não mais guardava o mesmo frescor de 1958, ano oficial do seu nascimento. Cada vez mais distante da tradição de música popular, a bossa nova era vista como um gênero elitizado, e até certo ponto enfadonho, buscando repetir as fórmulas de sucesso do passado.

Eis que em dezembro de 1964 o Grupo Opinião, fundado por Oduvaldo Viana Filho (Vianinha) e Ferreira Gullar, entre outros, organizou na cidade do Rio de Janeiro o lendário Show Opinião, que contava com a participação de Nara Leão (posteriormente substituída por Maria Bethânia), João do Vale e Zé Kéti.

Nara Leão foi o grande expoente feminino da bossa nova. Nascida numa família de classe média alta, Nara viveu boa parte da sua vida em Copacabana. E foi justamente ela uma das grandes responsáveis pela revitalização do gênero, vez que rompeu com certos preconceitos da época e gravou compositores populares como Cartola, Zé Kéti e Nelson Cavaquinho, bem como flertou com a Jovem Guarda, chegando a gravar Erasmo e Roberto Carlos.

Por sua vez, Zé Kéti foi um legítimo representante do Rio de Janeiro periférico e favelado. Seu nome figura no olimpo dos grandes compositores de samba. Traço marcante das composições do sambista carioca são as letras de protesto. Por outro lado, Zé Kéti é um exímio cronista do cotidiano, retratando com bom humor as dificuldades vivenciadas pelos moradores de morros e favelas.

João do Vale, nascido no interior do Maranhão, sintetizava a música sertaneja nordestina. Para muitos, e com justiça, seu nome encontra-se na mesma linhagem de compositores como Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga. Semi-analfabeto, descendente de escravos, João do Vale soube reproduzir com forte sentimento poético as agruras vividas pelo sertanejo nordestino.


Clique aqui e baixe o Show Opinião.

Créditos do link by Loronix.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Quintanares

O velho Leon Tolstoi


POEMA DA GARE DE ASTAPOVO


O velho Leon Tolstoi fugiu de casa, aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres
.............................................................do mundo,

Contra uma parede nua...
Sentou-se... e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Glória,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo tão sozinho àquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali à sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A Morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontuamente na hora incerta...)

Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos os que realizam os velhos sonhos da
..............................................................infância!


(Mário Quintana)

Violão e Bandolim

Encontro histórico do bandolinista carioca Hamilton de Holanda e do violonista gaúcho Yamandu Costa. Para quem já conhece o trabalho dos dois, vale a pena conferi-los em ação. Para quem não conhece, vale dizer que os dois são os representantes máximos do instrumental brasileiro de cordas contemporâneo.


Yamandu Costa e Hamilton de Holanda interpretando Astor Piazzolla.

In memorian

"Quanto mais o tempo passa
Mais atemporal fico.
Gosto das coisas fora do tempo.
Ofereço meu tempo à arte!"

Rubens Gerchmann (Rio de Janeiro - RJ, 10/01/1942; São Paulo - SP, 29/01/2008)


Em plena sintonia com o cenário carioca de intensas e apaixonadas discussões acerca de proposições políticas e/ou artístico-culturais, a produção gráfica de Rubens Gerchman dos anos 1960, caracterizou-se, particularmente, por seu extremo vigor narrativo: por sua vontade de informar, de comunicar-se, com os milhares de Joãos, Marias e anônimos, seja da classe média ou do subúrbio carioca, mas que compartilham das mesmas alegrias e angústias, dos mesmos ídolos, símbolos sexuais ou sonhos de consumo. Como uma tentativa de refletir sobre as consequências alienantes dos processos de comunicação de massa no mundo contemporâneo.

Exímio desenhista, entrou em contanto com as artes gráficas ainda menino, no estúdio de desenhistas gráficos de seu pai, artista gráfico e desenhista de publicidade. Entre 1957 e 1958, estudou gráfica do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e, de 1959 a 1961 - salvo um breve interregno, devido ao serviço militar obrigatório - cursou a Escola Nacional de Belas Artes; quando frequentou o ateliê de gravura em madeira de Adir Botelho. Nos anos que se caracterizaram como os mais fecundos da arte brasileira da década de 1960 - de 1964 a 1967; Gerchman integrou as mais importantes mostras-exposições-eventos da época: II Jovem Desenho Nacional- MAC; Opinião 65; happening inaugural da Galeria G-4; Tropicália; Opinião 66; Nova Objetividade Brasileira - quando expôs "Lindonéia", obra síntese do tropicalismo musical dos anos 1960; IX Bienal de São Paulo; e a I Bienal de Salvador: destacando-se em primeiro lugar na categoria de arte experimental. Foi também entre os anos de 1958 e 1966, que trabalhou nos principais veículos de comunicação da capital carioca, como profissional gráfico.

Vencedor do prêmio viagem ao exterior, no XV Salão de Arte Moderna-RJ, de 1966, com a obra “A ditadura das coisas”; Gerchman ouviria a promulgação do AI-5, durante sua travessia marítima, rumo aos EUA. Lá, e mediante a experimentação de novos meios, suportes e/ou materiais de tecnologia avançada, Gerchman incursiona por vertentes mais formais, conceitualistas. Em 1970, estuda vídeo por seis meses na Universidade de Nova iorque. Quando de seu retorno ao país, em 1971, como fruto destas pesquisas e grande contribuição para a arte contemporânea brasileira, conclui a produção de seu filme Triunfo Hermético.
Entre 1974-75, e de entremeio a atividade de direção da Escola de Artes Visuais do Departamento de Cultura do Estado do Rio, que assumiria entre 1975-79; foi co-fundador de Malasartes: tentativa de criação de uma revista destinada ao debate a à experimentação em artes.

Temporariamente, mas não absolutamente, desligado de sua pintura narrativa acentuadamente crítica e denunciadora, voltada para o folclore urbano, Gerchman, voltando a se dedicar quase que exclusivamente à ela, em meados da década de 1970, retoma também seu universo temático dos anos 1960. Mas, não por nostalgia, senão porque Rubens Gerchman fora, é, e continuará sendo um dos mais perspicazes e competentes cronistas visuais que a cidade do Rio de Janeiro já concebeu.

Fonte: http://www.mac.usp.br/projetos/seculoxx/modulo4/g4/gerchman/index.html

Conheça a obra de RUBENS GERCHMAN

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Quintal das lembranças - parte III


Sir John "The Ox" Entwistle
O revolucionário do baixo

Dando sequência aos modestos "ensaios biográficos" já postados aqui, resolvi mudar de vertente, que até então baseava-se no binômio samba/bossa nova, para trazer um pouco dos outros universos que entremeiam as lucubrações deste blogueiro. Por outro lado, gostaria de advertir que não possuo qualquer formação musical ou literária. Antes sim sou movido pela curiosidade em apreender e aprender sobre aquilo que julgo possuidor de qualidade, sem qualquer reserva de estilo ou preconceito.

Sempre considerei que o baixo nunca teve a mesma badalação que a guitarra e a bateria numa banda de rock, justamente por ser um instrumento de apoio. Nomes como Hendrix, Eric Clapton e Jimmy Page fazem parte do imaginário dos apreciadores do bom e velho rock'n roll. Todavia, se perguntados a responder o nome de meia dúzia de baixistas, dificilmente completarão a lista.

E foi no terreno das 4 cordas que John Alec Entwistle (Londres, 09/11/1944; Las Vegas, 27/06/2002) escreveu para sempre o seu nome na história da música mundial.

John Entwistle, ao lado do excelente guitarrista Pete Townshend, do ensandecido vocalista Roger Daltrey, e do lendário e "lunático" baterista Keith Moon (em breve falarei dele), falecido em 1978, formaram aquela que para mim, juntamente com o Led Zeppelin, são as duas maiores bandas de rock que já existiram - o The Who.

O fato é que grupo começou com Daltrey e Townshend dividindo os acordes de guitarra, até que Roger desistiu do instrumento. A mudança para uma única guitarra foi essencial para Entwistle (apelidado de "The Ox"), que passou a tocar acordes extremamente altos e intrincados para compensar a falta de uma guitarra rítmica - o resultado foi, dos primeiros singles do Who até o seu último sucesso, a transformação do trabalho do baixo de Entwistle em um dos mais complexos e audíveis do rock.

Entwistle desenvolveu o que ele chamava de estilo '"datilógrafo" de tocar baixo. Consistia em posicionar a mão direita sobre as cordas para que os quatro dedos pudessem ser usados para bater percussivamente nas mesmas, fazendo com que elas atingissem o braço com um distinto som agudo. Isso dava ao músico a habilidade de tocar três ou quatro cordas de uma só vez, ou de usar diversos dedos em uma só corda, além de permitir a criação de passagens bastante percussivas e melódicas. Ele usava esta técnica para imitar os preenchimentos usados pelos bateristas, às vezes antes mesmo que os bateristas tivessem a oportunidade de fazê-los.

John identificava suas influências como uma combinação de seu treinamento formal ao trompete, trompa e piano, o que dava a seus dedos uma força e flexibilidade ímpares. Juntamente com os guitarristas de rock Duane Eddy e Gene Vincent, e baixistas de soul e R&B como James Jamerson, ele é considerado um pioneiro nas técnicas de baixo. Entwistle foi a influência primordial de gerações de baixistas e continua a aparecer em enquentes sobre os "melhores baixistas" em revistas musicais. Em 2000, a revista Guitar nomeou John Entwistle o "Baixista do Milênio" numa enquente entre seus leitores.

John Entwistle era um sujeito introspectivo, que raramente falava durante os shows, a não ser quando cantava algumas canções de sua autoria, juntamente com Roger Daltrey e Pete Townshend. As apresentações do The Who tornaram-se históricas, quando ao final dos shows os instrumentos, mormente a bateria de Keith Moon e a guitarra de Pete Townshend, eram destruídos. Todavia, nesses momentos John mantinha uma postura sóbria, de modo a manter intacto o instrumento que o consagrou.

O baixista faleceu em Las Vegas, em 27 de junho de 2002. O laudo médico apontou a presença de cocaína em seu organismo, embora em pequena quantidade. Todavia, John possuía um grave problema nas artérias coronárias, de modo que o uso da droga alavancou um ataque cardíaco.


solo de baixo de John Entwistle na música 5:15

Ferreira Gullar


MAIO 1964

Na leiteria a tarde se reparte
em iogurtes, coalhadas, copos
de leite
e no espelho meu rosto. São
quatro horas da tarde, em maio.

Tenho 33 anos e uma gastrite. Amo
a vida
que é cheia de crianças, de flores
e mulheres, a vida,
esse direito de estar no mundo,
ter dois pés e mãos, uma cara
e a fome de tudo, a esperança.
Esse direito de todos
que nenhum ato
institucional ou constitucional
pode cassar ou legar.

Mas quantos amigos presos!
quantos em cárceres escuros
onde a tarde fede a urina e terror.
Há muitas famílias sem rumo esta tarde
nos subúrbios de ferro e gás
onde brinca irremida a infância da classe operária.

Estou aqui. O espelho
não guardará a marca desse rosto,
se simplesmente saio do lugar
ou se morro
se me matam.

Estou aqui e não estarei, um dia,
em parte alguma.
Que importa, pois?
A luta comum me acende o sangue
e me bate no peito
como o coice de uma lembrança.

(Ferreira Gullar)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Meu caro poeta...

Vinicius de Moraes e Rubem Braga. A simpática senhora infelizmente desconheço.

Meu caro Vinicius de Moraes,

Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: a primavera chegou. Você partiu antes. É a primeira primavera de 1913 para cá sem a sua participação. Seu nome virou placa de rua. E nessa rua que tem seu nome na placa vi ontem três garotas de Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nessa primavera. Acho que você aprovaria.

O mar anda virado. Houve uma lestada muito forte, depois um sudoeste com chuva e frio. São violências primaveris.

O tempo vai passando, poeta. Chega a primavera nessa Ipanema toda cheia de sua música e de seus versos, e eu ainda vou ficando um pouco por aqui, a vigiar em seu nome as ondas, os tico-ticos e as moças em flor.

Adeus.

texto de RUBEM BRAGA


Tarde em Itapuã - Vinicius e Toquinho

Quintal das lembranças - parte II




Rubem Braga - o fazendeiro do ar



"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São
Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em
voz baixa:

"Eu sou lá de Cachoeiro..."


Quando se fala em Cachoeiro do Itapemirim, Espírito Santo, alguns saberão tratar-se da cidade em que nasceu o cantor Roberto Carlos. E pouquíssimos mencionarão o nome do escritor Rubem Braga, que lá nasceu em 12 de janeiro de 1913, e sempre levou consigo as lembranças da sua terra natal, com as quais preencheu boa parte das crônicas que escreveu.

Aos 15 anos foi enviado pela família para Niterói-RJ, onde moravam alguns parentes. Cursou a faculdade de Direito no Rio de Janeiro, tendo-se formado em 1932 na capital mineira. Além do Rio e BH, o velho Braga morou em São Paulo, Porto Alegre, Recife, Paris, Santiago e Rabat, capital do Marrocos, onde exerceu a função de embaixador, nomeado pelo presidente Jânio Quadros. Como jornalista, acompanhou a Força Expedicionária Brasileira na Itália, em luta contra as tropas fascistas. "Guerra é coisa triste", e concluiu: "Brincadeira de homem. Só tem homem lá". Mas não tinha vocação para cidadão do mundo. Certa vez escreveu: "Sou um homem do interior. Às vezes penso que merecia ser goiano".

Rubem Braga tinha o dom de garimpar na superfície do cotidiano um profundo sentimento lírico, ao qual ele alinhava o seu modo introspectivo de perceber a vida. Nada lhe escapava: pessoas, paisagens, os estados da alma, a natureza. Em particular, Braga elegeu a figura feminina como ponto central dos textos que escrevia. Para ele, a mulher representava "Um belo momento da aventura do ser humano sobre a Terra". Fosse um sorriso, um olhar furtivo, o perfume, uma luva, uma carta amarelecida pelo tempo, ou mesmo a simples presença despretenciosa de uma mulher ao seu lado, lá estava o Braga a confabular teorias sobre o espírito feminino.

Seus textos, escritos em linguagem simples e cristalina, não raro dão a passageira ilusão aos leitores de que também são capazes de escrever assim. Como definiu o poeta Hélio Pellegrino, trata-se da "difícil arte de escrever fácil". Talvez esta circunstância explique a sua predileção por um verso de Camões, o qual diz: "A grande dor das coisas que passaram".

Na noite de segunda-feira, 17 de dezembro de 1990, o escritor reuniu um pequeno grupo de amigos, cada vez mais selecionados por ele, na sua cobertura em Ipanema. Foi uma visita silenciosa, mas claramente subentendida pelos amigos Moacyr Werneck de Castro, Otto Lara Resende e Edvaldo Pacote. Às 23h30 da noite de quarta-feira, sedado num quarto do Hospital Samaritano, Rubem Braga morreu, sozinho como desejara e pedira aos amigos.

A causa da morte foi uma parada respiratória em conseqüência de um tumor na laringe que ele preferiu não operar nem tratar quimicamente.


Fontes de pesquisa:

Revista Vida Simples, abril de 2006.


* * *

O Verão e as Mulheres


Rubem Braga


Talvez tenha acabado o verão. Há um grande vento frio cavalgando as ondas, mas o céu está limpo e o sol é muito claro. Duas aves dançam sobre as espumas assanhadas. As cigarras não cantam mais. Talvez tenha acabado o verão.

Estamos tranqüilos. Fizemos este verão com paciência e firmeza, como os veteranos fazem a guerra. Estivemos atentos à lua e ao mar; suamos nosso corpo; contemplamos as evoluções de nossas mulheres, pois sabemos o quanto é perigoso para elas o verão.

Sim, as mulheres estão sujeitas a uma grande influência do verão; no bojo do mês de janeiro elas sentem o coração lânguido, e se espreguiçam de um modo especial; seus olhos brilham devagar, elas começam a dizer uma coisa e param no meio, ficam olhando as folhas das amendoeiras como se tivessem acabado de descobrir um estranho passarinho. Seus cabelos tornam-se mais claros e às vezes os olhos também; algumas crescem imperceptivelmente meio centímetro. Estremecem quando de súbito defrontam um gato; são assaltadas por uma remota vontade de miar; e certamente, quando a tarde cai, ronronam para si mesmas.

Entregam-se a redes; é sabido, ao longo de toda a faixa tropical do globo, que as mulheres não habituadas a rede e que nelas se deitam ao crepúsculo, no estio, são perseguidas por fantasias e algumas imaginam que podem voar de uma nuvem a outra nuvem com facilidade. Sendo embaladas, elas se comprazem nesse jogo passivo e às vezes tendem a se deixar raptar, por deleite ou preguiça.

Observei uma dessas pessoas na véspera do solstício, em 20 de dezembro, quando o sol ia atingindo o primeiro ponto do Capricórnio, e a acompanhei até as imediações do Carnaval. Sentia-se que ia acontecer algo, no segundo dia da lua cheia de fevereiro; sua boca estava entreaberta: fiz um sinal aos interessados, e ela pôde ser salva.

Se realmente já chegou o outono, embora não o dia 22, me avisem. Sucederam muitas coisas; é tempo de buscar um pouco de recolhimento e pensar em fazer um poema.
Vamos atenuar os acontecimentos, e encarar com mais doçura e confiança as nossas mulheres. As que sobreviveram a este verão.

Março, 1953.

Extraído do livro "A Cidade e a Roça", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1964, pág. 27.

O Pavão


Rubem Braga


Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas.

Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.

Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.

Rio, novembro, 1958.

Texto extraído do livro "Ai de ti, Copacabana", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág. 149.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Quintal das lembranças - parte I


Cartola - Música para os olhos

Se nos dias atuais, o termo "favela" nos remete à lembrança de bailes funk e e disputa pelo tráfico de drogas, já houve um tempo em que essas comunidades abrigavam em seu seio a poesia brasileira em estado puro, expressada na forma de letras de samba.

Não, a poesia não abandonou as favelas. Todavia, diferentemente do samba de Zé Keti, o qual dizia que "eu sou o samba/a voz do morro sou eu mesmo sim, senhor...", morros e favelas ganharam novas formas de expressão. Não se quer aqui discutir a qualidade do que é produzido hoje nas comunidades, mas apenas fazer a constatação de que a poesia do samba está cada vez mais presente no passado. Nomes como Nelson Cavaquinho, Zé Keti, Carlos Cachaça, Guilherme de Brito, Heitor dos Prazeres e tantos outros ainda resistem no quintal das lembranças... mas até quando?

Pelo menos há o conforto em saber que o nome de Angenor de Oliveira, o mestre Cartola, ainda perdurará por longos anos. Pode-se dizer que Cartola representou aquilo que o imaginário brasileiro convencionou denominar "esperança". Nascido pobre no bairro do Catete, Rio de Janeiro, aos 11 anos de idade mudou-se com a família para a Mangueira. Aos 15 anos, a mãe falecida, foi expulso de casa pelo pai, que foi embora da Mangueira levando as irmãs menores.
Nessa época, ouviu o pai dizer a uma vizinha que "ele saía do morro, mas deixava um Oliveira para fazer a vergonha da família".

Semi-analfabeto, pobre, favelado... ainda assim Cartola construiu uma obra monumental. Suas canções, entremeadas por arranjos complexos e harmoniosos, falam de desilusões, amor, nostalgia, esperança. Mas, acima de tudo, revelam a altivez com que o poeta encarava a vida, sempre acreditando em dias melhores. Nem mesmo a velhice era capaz de abalá-lo. Antes sim servia de inspiração para o mestre. Basta lembrarmos da canção "O inverno do meu tempo", na qual Cartola dizia o seguinte:

Surge a alvorada
folhas a voar
e o inverno do meu tempo começa
a brotar, a minar

E os sonhos do passado
no passado estão presentes,
e o amor que não envelhece jamais
eu tenho paz
e ela tem paz

Nossas vidas
muito sofridas
caminhos tortuosos
entre flores e espinhos demais

Já não sinto saudade
saudades de nada que vi
no inverno do tempo da vida
oh! Deus
eu me sinto feliz

Como gostava de dizer, "sua vida podia ser comparada a um cowboy de cinema. Sofreu a vida inteira, mas no fim ele venceu".

Em tempo: para saber mais sobre a vida do poeta, recomendo o documentário "Cartola - música para os olhos", da Globo Filmes.



Cartola interpretando a canção "Peito Vazio"



Cartola, ao lado do seu pai, cantando "O mundo é um moinho"

Iniciando os trabalhos...

Para dar início a este novo projeto, escolhi um texto da lavra deste humilde blogueiro que vos escreve...

EXEGESE

Não é somente da rosa-flor
Perfume-rosa, rosa augusta de
Perfilados dentes alvos
Que se colhem palavras para a
Composição do poema
(palavras densas de açúcar como o são
as passas estragadas; palavra-confeito
que se desfaz na boca, espraiando-se
pelas glândulas salivares)

Reter a paisagem, descobrir
O vocábulo entranhado no coração
Dos monturos, a palavra inservível
Presa de si mesma
Verbo em decomposição, destilando
Odores de metano

Esperar a noite, o cair da noite
O desenlaço de suas pétalas noturnas
E das sombras ver surgir
Seu tropel de criaturas segregadas

Vinde palavras prostitutas, ébrias,
Indigentes, viciadas de toda espécie
Escutai o bater de asas, um anjo
Por ti está em vigília
Ainda que um anjo coxo
Espécie de Quasímodo alado

Adentrai vossa casa, não temeis
Mesmo que edificada sobre o
Moralismo movediço de tratados
E convenções

Repousai na face virgem e alcalina
Do papel
Inaugurai nesta nova pátria inominada
Sob o estatuto do mencionado impossível
O tempo do caos transcendente