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Mostrando postagens de 2012

O carcará encantado

Numa dessas manhãs nubladas em que a vida se enche de saudosismo, fui tomado pelas memórias do meu tempo como estagiário de direito, em especial aquelas dos dias em que a instituição na qual servia entrou em greve. Na ocasião, por determinação da chefia superior, ao menos um dos estagiários deveria ficar de plantão em cada turno, a fim de atender algum caso urgente que viesse a aparecer. Dentre as pessoas que laboravam na repartição, guardo ainda viva a lembrança da faxineira que diariamente limpava o lugar, de nome Andréia, que a todos cativava com seu jeito simples e espontâneo. Não me recordo, porém, se ela alguma vez chegou a pronunciar meu nome, pois usualmente tratava a todos pelo epíteto “irmão”. O fato é que a “irmã” Andréia estava grávida; a barriga proeminente denunciava que o parto estava próximo. Em algumas ocasiões a surpreendi fumando no estacionamento. Chamava sua atenção, explicando que o cigarro era prejudicial a ela e ao bebê. “Vou fumar só esse por hoje, i...

A última noite da sua vida

Já passavam das dez da noite quando ele foi surpreendido por um clarão que invadiu o seu quarto. O que seria aquilo, um contato extraterrestre? Um anjo da anunciação? Não importava. Ateve-se exclusivamente àquela voz límpida, sobrenatural, jamais experimentada pelos seus ouvidos, que simplesmente lhe disse: - Com a primeira luz do sol, você não estará mais nesse mundo. O que fazer de agora em diante? A pureza e a mansidão daquela voz não deixaram dúvidas, de fato sua vida não ultrapassaria aquela noite. Não amanheceria como nos outros dias, quando acordava mal disposto para o trabalho. Não teria que escutar o despertador às seis e quinze da manhã, entrar embaixo da ducha morna, escovar os dentes e tomar café na companhia da mãe. Deveria avisá-la que seria desnecessário mais um prato e um copo na mesa da manhã seguinte? Pensou que seria demasiado cruel. Aliás, ela não acreditaria. Talvez deixasse um bilhete, quem sabe avisando que fugiria para sempre, que não aguentava...

Também já fui brasileiro

Belo poema do eterno Carlos Drummond de Andrade.

CEMITÉRIO DOS NAVIOS

Aqui os navios se escondem para morrer.  Nos porões vazios, só ficaram os ratos  à espera da impossível ressurreição.  E do esplendor do mundo sequer restou  o zarcão nos beiços do tempo.  O vento raspa as letras  dos nomes que os meninos soletravam.  A noite canina lambe  as cordoalhas esfarinhadas  sob o vôo das gaivotas estridentes  que, no cio, se ajuntam no fundo da baía. Clareando madeiras podres e águas estagnadas,  o dia, com o seu olho cego, devora o gancho  que marca no casco as cicatrizes  do portaló que era um degrau do universo.  E a tarde prenhe de estrelas  inclina-se sobre a cabine onde, antigamente,  um casal aturdido pelo amor mais carnal  erguia no silêncio negras paliçadas.  Ó navios perdidos, velhos surdos  que, dormitando, escutam os seus próprios apitos varando a neblina, no porto onde os barcos  eram como um rebanho atra...

História do Samba

Pra quem gosta de samba de verdade, e deseja conhecer a fundo as raízes desse gênero musical, bem como a história dos artistas que o tornaram popular, aí vai o endereço certo: http://receitadesamba.blogspot.com.br/

Semelhanças no dessemelhante

Se existe um tema que me deixa em constante desassossego é a nossa incapacidade de compreensão do próximo. Como é o sentir e o pensar do nosso semelhante? Por mais que a convivência se prolongue no tempo, poderíamos ousar dizer que "conhecemos" o outrem? Como bem advertiu o mestre João Guimarães Rosa, "Quem sabe do orgulho, quem sabe da loucura alheia?" Para resolver a questão, acredito que somente um homem de muitos "eus" poderia fazê-lo, como o foi Fernando Pessoa, que um dia assim escreveu: Como é por dentro outra pessoa Como é por dentro outra pessoa   Quem é que o saberá sonhar?   A alma de outrem é outro universo   Como que não há comunicação possível,   Com que não há verdadeiro entendimento.  Nada sabemos da alma   Senão da nossa;   As dos outros são olhares,   São gestos, são palavras,   Com a suposição de qualquer semelhança   No fundo.      1934

Onírica

Frio noturno. Acima das retinas, o silencioso deslizar da lua e o brilho em vigília de uma estrela longínqua, a lançar seu lume clarificado por sobre águas revoltas de destinos incertos. Havia um rumor de coração, e com ele o soçobrar de memórias inquietas, naufragadas ao primeiro sono. E um sonho de nítidas formas e cores, nascido de alguma realidade sobrenatural, por onde trazias um sorriso embevecido, há muito esquecido nos labirintos de feridas mal cicatrizadas. E despertei, acreditando que por alguns instantes contemplara a face da paz...

CANÇÃO DA MOÇA DE DEZEMBRO

A moça dança comigo nessa noite de dezembro. Na sala onde giramos se alguém mais há não me lembro. O ondear da moça ondeia uma melodia ainda mais doce que a da vitrola — e uma alegria vinda dessa doçura me envolve. Cabe bem no meu abraço esse perfume com que vou girando e em que me abraso em meus quinze anos (a moça terá, talvez, dezessete ou dezoito). Como a valsa, a vida o melhor promete. E já oferta: esse corpo a cada instante mais perto. Ao qual responde meu corpo, como nunca antes desperto. E a moça vai-me queimando em seu hálito, afogando-me nos cabelos, e nos olhos luminosos siderando-me! E eis que, dançando, saímos além da sala e do tempo. E dançando prosseguimos sempre que sopra dezembro, nos mesmos giros suaves, nos mesmos ledos enganos: eu, o antigo rapaz, e a moça, morta há treze anos. Ruy Espinheira Filho

Adeus ao verão

Partem em revoada as derradeiras nuvens negras outrora adormecidas na profundeza celestial. Há dentro da noite um vento frio que sopra na copa das árvores, e um brilho de luar refratário, quase melancólico. Pairam no pensamento lembranças errantes, arrefecidas ao final de mais uma estação. É terminado o verão...

Encontros

Encontros inesperados, de gênios que revolucionaram a música e a nossa visão do mundo! Michael Jackson e Freddie Mercury Renato Russo e Cazuza George Harrison e Bob Marley Johnny Cash e Elvis Presley John Lennon e Ernesto Che Guevara Jimi Hendrix e The Who

contradança

pés na areia, corpo contra o vento sem nenhum pudor vamos dançar na antessala do tempo,  meninazinha,  onde sofrer é apenas uma forma de contemplar o amor Glauber R.

O estudo da gramática

por Rubem Fonseca Você está triste? Não sei. Talvez. Tristeza dá câncer, sabia? Pensei que dava verruga no nariz. Estou falando sério. Ultimamente você vive falando sério. Quando eu brincava você reclamava. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Você colocou vírgula depois de mar. Estou falando, não estou escrevendo. Mas na sua fala tinha uma vírgula depois de mar? Não. Você está fazendo uma análise sintática e morfológica da frase? Na frase há o uso da figura de sintaxe chamada elipse. Chega. É por coisas assim que eu não quero mais viver com você. Porque eu sei gramática e você não? Entre outras coisas. Não gosta mais de foder comigo? Usarei uma elipse aqui. Ou melhor, uma zeugma. Zeugma é um substantivo masculino. Um zeugma, então. Significando? Que é fácil subentender. Subentender por que você não gosta mais de foder comigo? Precisamente. Pensa. Estou pensando e não consigo. Pensa em nós dois na cama. Você sempre se manifesta pomposamente na hora do orgasm...

MATINAS

Somente após despir-se a noite Do seu negro véu ornado de sonhos e estrelas É que pode despertar manhã Abraçada pelas brumas do futuro Na flor matinal do seu  sorriso Colho meu sol De cada dia Glauber R.

Soneto de carnaval

por Vinicius de Moraes Distante o meu amor, se me afigura O amor como um patético tormento Pensar nele é morrer de desventura Não pensar é matar meu pensamento. Seu mais doce desejo se amargura Todo o instante perdido é um sofrimento Cada beijo lembrado uma tortura Um ciúme do próprio ciumento. E vivemos partindo, ela de mim E eu dela, enquanto breves vão-se os anos Para a grande partida que há no fim De toda a vida e todo o amor humanos: Mas tranqüila ela sabe, e eu sei tranqüilo Que se um fica o outro parte a redimi-lo. Oxford, 02.1939

Nauro em primeira pessoa

Sensacional documentário retratando a poesia e o cotidiano do genial poeta maranhense Nauro Machado, onde o próprio despe-se de qualquer pudor para dar vida aos seus versos.

Camões, nosso "pai"

1524 ou 1525: Datas prováveis do nascimento de Luís Vaz de Camões, talvez em Lisboa.  1548: Desterro no Ribatejo; alista-se no Ultramar.  1549: Embarca para Ceuta; perde o olho direito numa escaramuça contra os Mouros.  1551: Regressa a Lisboa.  1552: Numa briga, fere um funcionário da Cavalariça Real e é preso.  1553: É libertado; embarca para o Oriente.  1554: Parte de Goa em perseguição a navios mercantes mouros, sob o comando de Fernando de Meneses.  1556: É nomeado provedor-mor em Macau; naufraga nas Costas do Camboja.  1562: É preso por dívidas não pagas; é libertado pelo vice-rei Conde de Redondo e distinguido seu protegido.  1567: Segue para Moçambique.  1570: Regressa a Lisboa na nau Santa Clara.  1572: Sai a primeira edição d’ Os Lusíadas .  1579 ou 1580: Morre de peste, em Lisboa. (fonte: Vidas Lusófonas ) Para quem acha que a poesia de Luís Vaz de Camões pertence ao passado, nada melhor do que reler...

O velho Clint salva o macho da extinção

Por Xico Sá E  o mundo não se acabou. O crepúsculo do macho-jurubeba, inimigo público declarado dos novos costumes metrossexuais, foi adiado mais uma vez. O responsável pela façanha foi, para variar, o velho Clint, Clint Eastwood, 80, que na semana passada vetou o uso de photoshop na capa da reviste “M”, do jornal francês “Le Monde”. Só o Peréio e o Clint salvam. Homem que é homem não pode se envergonhar das rugas que fizeram residência nos seus rostos. Outro que também se revelou adepto do jurubebismo, para nossa surpresa, foi o físico britânico Stephen Hawking, que completou ontem 70 anos. Com dois casamentos e três filhos, revelou que pensa mais nas mulheres do que nos mistérios do buraco negro e outros enigmas do cosmo. Bravíssimo. Além do Clint, do Peréio e agora do Hawking, especula-se sobre a existência de uma meia dúzia do gênero no Brasil. No Crato, por exemplo, existiriam dois, ali na subida da serra a caminho do Exú. Há quem diga ter visto outro na Mooca, SP. U...

CALEIDOSCÓPIO

Que lá sei eu dos insondáveis mistérios da vida e da morte? Pertenço a tempo algum? Houve um instante em que eu sequer existia. Hoje, assisto-me transmutado no corpo de um homem que acorda, trabalha, faz suas refeições regulares, por vezes ri de si mesmo e ao final de cada dia dorme, à espera de sonhos purificados, intocados pela decadência humana. Que certezas carrego? Sei do sol que curte minha pele nas primeiras horas da manhã, da primavera que deita suas flores pelos jardins ocultos da cidade, das constelações que há milênios guiam os homens pela face da Terra. Sei da poeira dos meus antepassados que diuturnamente respiro, das malfadadas histórias de amor contadas pelos poetas suicidas, do silêncio que cobre os jazigos de quem um dia partiu e hoje se sente saudades. Dolorosamente, sei que sou o resultado não das coisas que fiz, mas daquelas que deixei de realizar. A única certeza que me resta é a dúvida.   Goiânia, 13 jan 2012.

«E N T R E A S P A S»

"Só os deuses podem prometer, porque são imortais" Jorge Luis Borges (1899 / 1986) escritor argentino

GIBRALTAR

A verdade é que nem moravam longe um do outro. Setores diferentes da cidade, mas fronteiriços. Todavia, há mais de ano não se viam, e há vários meses deixaram de trocar palavras. Sem brigas, rancores ou remorsos. É “a vida que segue”. Não é assim que diz toda sexta-feira pela manhã um certo apresentador de telejornal? E cada um deles agora habitava o seu universo particular, cultivando amores, desejos e frustrações. De olhos bem abertos, sob a luz que nos guia e nos aquece a alma. Há horas, porém, que os corpos tomados pelo sono adentram as paisagens oníricas de uma certa existência paralela a que chamam de sonhos. Seres míticos, paisagens surreais e o tempo que, ao nos tocar a face, nos rejuvenesce, em vez de ficarmos mais velhos. E nessas horas de devaneio, de “acordar-se para dentro”, como definiu Quintana, retomamos o diálogo esquecido. Mas sempre é chegada a hora de “acordar-se para fora” e novamente encarar a aspereza da vida, por vezes bela – a vida – e hastear as suas vela...

Reflexão

Se Deus não existisse, o homem seria incapaz de realizar o bem. Glauber Ramos

Criolo Doido

O cara é foda mesmo. Depois de ter sido homenageado publicamente por Chico Buarque durante um show deste, em agradecimento à versão do rapper para a música "Cálice", Criolo se consagrou como o grande vencedor do VMB 2011, faturando os prêmios de Melhor Disco com o álbum Nó na Orelha (2010) , Melhor Música, com a canção Não existe amor em SP , além de ter sido escolhido o artista Revelação. Justo reconhecimento de um artista que há um bom tempo vem trabalhando duro nas quebradas do cenário musical brasileiro. E a boa notícia: o cara disponibilizou o disco Nó na Orelha pra download em seu site pessoal. Só dar uma conferida: www.criolo.net Cálice (por Criolo) Como ir pro trabalho sem levar um tiro Voltar pra casa sem levar um tiro Se as três da matina tem alguém que frita E é capaz de tudo pra manter sua brisa Os saraus tiveram que invadir os botecos Pois biblioteca não era lugar de poesia Biblioteca tinha que ter silêncio, E uma gente que se acha assim muito sa...

sobre nada

Me pediram para que escrevesse uma crônica para a edição dominical de certo jornal. Minto. Pediram porra nenhuma. Apenas inventei essa circunstância a fim de dar vazão às palavras represadas em minha mente, que teimosamente insistem em repelir o branco do papel. Teve uma chuva que acabou há pouco aqui na capital goiana. Restou apenas a garoa fina. Os garotos do prédio ao lado conversam alto na portaria, suas vozes repercutem como se estivessem no interior da minha sala. Lembro dessa época, minha garotice no interior do Tocantins... que pensava eu àquelas alturas? Navegava no raso da vida, apenas o trivial do existir. Estudar, arrumar emprego, comprar carro, casa. Acho que nem isso pensava. Se pensei, deixei por lá, enterrado sob as cangas do meu rincão natal. É começo de ano, e parece de bom tom fazer promessas, se esforçar para ser alguém melhor. Sei que não fiz nada disso. Se um ano passou e outro começou, isso só ocorreu porque convencionamos dividir o tempo. Passarinho lá sabe o ...