Naquele minuto, sentiu que havia envelhecido uns cinquenta anos. Era como se seu sangue doce e jovem repentinamente tivesse adquirido a tonalidade turva do rio cujas águas cristalinas vão se misturando às terras adormecidas de um leito assoreado.
O vento frio que soprava na copa das árvores recobrou-lhe os sentidos. Sentiu o corpo estremecer e lembrou-se que de fato já haviam se passado mais de cinquenta anos. As têmporas acinzentadas que diariamente fitava no espelho do banheiro não o deixavam mentir.
Com as mãos cerradas, esfregou os olhos e voltou o rosto para o céu. Sentia-se reconfortado ao reencontrá-las ao longo dos anos, sempre no mesmo local: Mintaka, Alnilan e Alnitaka, as três Marias, que reunidas formavam o cinturão da constelação de Órion.
A mania de contemplar o céu nas noites límpidas herdara do pai, astrônomo amador, poeta errante e esquizofrênico. Jamais decorara o nome ou a posição das demais constelações, para desgosto paterno. Contudo, por algum inexplicável motivo, ficou gravado em sua memória aquela que representava a figura do herói cujo amor pela deusa Artemis jamais se realizou plenamente, por obra dos ciúmes do irmão desta, o deus Apolo.
Na superfície da lágrima que inesperadamente escorreu pelo olho esquerdo, boiaram as lembranças do dia em que viu o pai sendo arrastado casa afora, enquanto a mãe, aos prantos, tentava explicar ao garoto que o pai estava doente e precisava de tratamento. Ainda na infância, o cachorro que ganhou de presente do tio e que foi batizado com o nome da sua constelação guardiã, e que por quase quinze anos foi seu melhor amigo.
E de quando já homem feito, ouviu e fez falsas promessas de amor, como certa vez que caminhavam pelas areias da praia deserta, imersos na solidão noturna, cúmplices de um mesmo crime. E dizia a ela que, se algum dia se sentisse só, bastaria ela deitar seus olhos castanhos sobre o trapézio de Órion, que naquele instante ele estaria por lá, à sua espera, como um anjo que vigia os passos de uma criança distraída.
Quão tolo se sentia agora. E mesmo assim, continuava a alimentar aquele modo de sofrer quase ingênuo, sem jamais abandonar o hábito de vigiar as três estrelas de nome Maria, de deixar-se levar pelas águas da memória, de pensar que assim como ele, alguém, naquele exato momento, estaria com os olhos repousados no longínquo trapézio de Órion.
O vento frio que soprava na copa das árvores recobrou-lhe os sentidos. Sentiu o corpo estremecer e lembrou-se que de fato já haviam se passado mais de cinquenta anos. As têmporas acinzentadas que diariamente fitava no espelho do banheiro não o deixavam mentir.
Com as mãos cerradas, esfregou os olhos e voltou o rosto para o céu. Sentia-se reconfortado ao reencontrá-las ao longo dos anos, sempre no mesmo local: Mintaka, Alnilan e Alnitaka, as três Marias, que reunidas formavam o cinturão da constelação de Órion.
A mania de contemplar o céu nas noites límpidas herdara do pai, astrônomo amador, poeta errante e esquizofrênico. Jamais decorara o nome ou a posição das demais constelações, para desgosto paterno. Contudo, por algum inexplicável motivo, ficou gravado em sua memória aquela que representava a figura do herói cujo amor pela deusa Artemis jamais se realizou plenamente, por obra dos ciúmes do irmão desta, o deus Apolo.
Na superfície da lágrima que inesperadamente escorreu pelo olho esquerdo, boiaram as lembranças do dia em que viu o pai sendo arrastado casa afora, enquanto a mãe, aos prantos, tentava explicar ao garoto que o pai estava doente e precisava de tratamento. Ainda na infância, o cachorro que ganhou de presente do tio e que foi batizado com o nome da sua constelação guardiã, e que por quase quinze anos foi seu melhor amigo.
E de quando já homem feito, ouviu e fez falsas promessas de amor, como certa vez que caminhavam pelas areias da praia deserta, imersos na solidão noturna, cúmplices de um mesmo crime. E dizia a ela que, se algum dia se sentisse só, bastaria ela deitar seus olhos castanhos sobre o trapézio de Órion, que naquele instante ele estaria por lá, à sua espera, como um anjo que vigia os passos de uma criança distraída.
Quão tolo se sentia agora. E mesmo assim, continuava a alimentar aquele modo de sofrer quase ingênuo, sem jamais abandonar o hábito de vigiar as três estrelas de nome Maria, de deixar-se levar pelas águas da memória, de pensar que assim como ele, alguém, naquele exato momento, estaria com os olhos repousados no longínquo trapézio de Órion.
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Goiânia, 23 de junho de 2011.
Glauber Ramos
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