Pular para o conteúdo principal

A volta de Celeus Obrieni


Hoje li certa notícia que me deixou bastante intrigado. Decorridos exatos 80 anos, eis que uma certa ave voltou ao seu habitat natural. O desaparecido em questão atende pelo nome de pica-pau-do-parnaíba, também conhecido cientificamente como Celeus Obrieni.

A criatura fugidia foi identificada pela primeira vez em 1926, no município de Uruçuí, sul do Piauí, lá onde nasce o esplendoroso e tão sofrido Rio Parnaíba, o “velho monge”. Desde então, Celeus fugiu da vista de todos, sem deixar rastros ou bilhete que informasse o seu destino. Mas talvez essa tenha sido sua real intenção. E por onde teria andado a intrépida ave nesse tempo todo? Cansado, desgostoso da vida, Celeus foi voar em outros ares, quiçá tenha atravessado mares em busca de novas aventuras, tendo que digladiar com aves maiores e mais fortes em busca do seu alimento. Decerto não viveu amores, pois o amor entre espécimes diferentes é coisa que fere a ordem natural da vida, conforme os ensinamentos de Darwin e das leis divinas. Mais fácil supor que um amor não correspondido o tenha feito bater em retirada sem destino mundo afora, buscando esquecer aquela que um dia feriu seus nobres sentimentos, mas que hoje não passa de um borrão tingindo as paredes da memória.

E da mesma maneira discreta que partiu, Celeus Obrieni retornou ao seu habitat. O primeiro registro do regresso deu-se no ano de 2006 em Goiatins, município do nordeste do meu Tocantins. Nessa região ainda encontram-se áreas preservadas de cerrado, e enquanto a mão devastadora do homem não destruir a vida pujante que lá existe, Celeus poderá viver em paz. Mais recentemente, ele foi visto em Minaçu, no extremo norte de Goiás. Afeito a longas viagens, hoje Celeus Obrieni transita pelas poucas áreas de cerrado que ainda restam em pé, esparramadas pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí, Goiás e Mato Grosso.

Caro amigo Celeus Obrieni, terá valido a pena sumir por tanto tempo? Hoje reflito sobre sua história, de quem um dia partiu para bem longe, de quem experimentou a dor do exílio em terras estrangeiras, feito uma ave em migração que esqueceu o caminho de volta. Mas carecemos ter coragem nessa hora, amigo Celeus!

* * *
Goiânia, 14 de maio de 2011.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A saudade de Manoel de Barros

Ausente entre nós desde 13 de novembro de 2014, é inegável a falta que o poeta matogrossense Manoel de Barros nos faz. Em tempos de aspereza cada vez mais exacerbada, a ausência da sua candura e o seu olhar onírico sobre a vida faz desse mundo um lugar mais pálido, menos interessante.  A seguir, alguns poemas de Manoel de Barros, para que possamos recobrar a inocência outrora perdida. O apanhador de desperdícios Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim um atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo. Sou um apanhador de des...

Bud Spencer & Terence Hill

Se havia algo capaz de me deixar extremamente feliz nos meus anos de infância e adolescência, certamente era quando os reclames do plim-plim anunciavam algum filme da dupla Bud Spencer e Terence Hill na Sessão da Tarde. Era diversão garantida, principalmente pelas atuações formidáveis de Spencer, com seu jeito mal humorado e seus socos potentes, que não raro levavam a nocaute vários adversários de uma só vez. Somente há pouco tempo (Deus salve a Wikipédia) descobri que os dois atores são italianos. Bud Spencer na verdade se chama Carlo Vicente Pedersoli, (Nápoles, 31 de outubro de 1929), e para minha grata surpresa foi um grande nadador, tendo participados das Olimpíadas de 1952, 1956 e 1960. Já Terence Hill, o galã da dupla, atende pelo nome de Mario José Girotti, e nasceu em Veneza no dia 29 de março de 1939. Não sei relacionar o nome dos filmes, porque o que importava para mim era a pancadaria rolando solta. Vale a pena rir um pouco com esses caras. Dois tiras fora de ordem - cen...

Esses chopes dourados

Verdes bandejas de ágata, meus olhos amarelos   caminham para mim pela milésima vez   enquanto estou cercado por brancos azulejos   e amparado por uma toalha de quadros.   No útero deste bar vou me elevando   e saio da noite cheia de ruídos   para a manhã do mar   onde tudo é sal, impossível alquimia   disfarçada num domingo Amável,   esta manhã me aturde, manhã de equívocos   onde um sábado moribundo se entrega sem rancor.   Meu sábado, belíssima ave negra de olho aceso,    cai nas muralhas do sol como um herói melancólico   enquanto o mar abre o sorriso de dentes brancos   lavados na areia alvura.   Caminho para o sol que me atrai mecanicamente:                      ...