quarta-feira, 25 de maio de 2011

DORES DO MUNDO


Levantou-se sem alarde. Sentiu que a manhã corroía menos que o de costume. Ah, a velha faca encravada que teima em não matar. Pouco a pouco, a ferrugem se dissolvendo em seu sangue, trazendo à boca o sabor antigo e rançoso do que não foi. A vida.

Na capa do disco, a imagem de uma árvore frondosa em meio a um entardecer de inverno, ali brotando erma de sentidos no coração daquela solidão de limpas planícies. Aquele era seu paraíso secreto, a paisagem íntima que cada criatura guarda em si, onde sonhos e realidades se misturam num amálgama indivisível.

E qual o significado de estar ali? E todas as sensações e criaturas que permeavam o ambiente, para onde iam? Viviam?

"E tu,
que bebeste pouco,
não choraste no enterro do irmão,
não gozaste teus vinte anos.

Agora olhas para trás,
muito percorrestes,
é tarde demais.
Venderias a alma?
Tens uma alma?
Ou somente um velho corpo
tingido de cicatrizes?”

Auscultar-se-ia. No peito, um pulsar longínquo que parecia perder sua força como a voz que se esvai em ecos no interior de uma caverna.

E dormiu. Em sonho, borboletas azuis dançavam-lhe na face, enquanto repousava sob as sombras de uma árvore colossal, tão antiga quanto o tempo.

* * *
Goiânia, 15 de novembro de 2006. Revisado em 25 de maio de 2011.

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