sábado, 28 de maio de 2011

OS DEDOS DO TEMPO


Distraidamente, meus olhos percorriam a silhueta de uma pequena árvore que dançava ao sabor do vento no outro lado da rua. Enquanto isso, a comida esfriava no fundo prato. Voltei para o meu almoço. Já eram quase duas da tarde.

No interior do restaurante, poucas mesas encontravam-se ocupadas naquele horário. Não muito longe do lugar onde me encontrava, um homem sentou-se, acompanhado por um garoto que devia ter no máximo dez anos de idade. Seu rosto me pareceu familiar e logo emergiram da memória imagens que o retratavam em outras épocas.

Num cálculo rápido, cheguei a conclusão de que almoçava naquele mesmo lugar há quase doze anos, e já nos primeiros anos havia me deparado com aquele homem. Lembro que na época ele não passava de um jovem cabeludo, a barba por fazer, um pouco acima do peso, meio desajeitado, de bermudão e tênis all star. E tinha também a namorada, de cachos vermelhos e pele excessivamente branca, sempre metida dentro de algum vestido ou saia que remetesse ao movimento hippie.

Não demorou muito para que ela aparecesse grávida, a barriga proeminente a cada dia decorrido. Poucos meses depois, lá apareciam segurando um cesto, onde repousava alheio a qualquer tumulto o filho do casal. E ainda me lembro desse menino regulando uns quatro, cinco anos de idade. Tinha a pele de um moreno claro e os cabelos cacheados. Não era feio, pode-se dizer. A natureza havia sido generosa com o casal.

Entre uma garfada e outra, observava os movimentos de pai e filho. O menino crescera e tinha a mesma fisionomia viva e os cabelos maiores e mais cacheados. O pai agora usava o cabelo curto, mas a bermuda e o all star ainda continuavam lá. Percebi que despontavam alguns fios brancos em sua barba. Mas e a mãe, por onde andava? Teriam se separado, ou alguma tragédia havia atingido aquela simpática família? Por Deus, tomara que não! – pensei. Vi que o menino sorria, um bom sinal. Acredito que tudo corria bem.

Minha dúvida se desfez quando uma mulher de cabelos vermelhos se aproximou dos dois. Usava um vestido branco, bem discreto se comparado às saias coloridas que um dia vestiu. Talvez ainda as guarde como recordação, e é bem capaz que ainda as use, já que fisicamente ainda cultivava o mesmo corpo de dez, onze anos atrás.

Já perto do fim do almoço, parei um pouco e sorrateiramente observei os três. De fato o velho Leon Tolstói estava certo ao dizer certa vez que “Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira”. Olhei para fora e percebi que a pequena árvore não dançava mais.

Por fim me levantei. Ao dar os primeiros passos, senti que uma brisa gelada tocava meu rosto. Ou foi só uma impressão passageira? Definitivamente não. Aquele era o tato frio dos dedos do tempo.

(Glauber Ramos)

* * *

Goiânia, 28 de maio de 2011.

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