Naquela manhã, como sempre ocorria em dezembro, a casa parecia segurar a respiração. Ela acordou cedo, como quem tem pressa de viver o dia mais importante da vida. O vestido branco, com suas mangas bufantes e rendas delicadas, estava cuidadosamente estendido sobre a cama. Um modelo tanto antiquado — alguns especialistas em moda poderiam dizer — mas, segundo ela, o vestido seguia à risca o desenho de um renomado estilista italiano.
Em frente ao espelho, ela se arrumava com devoção. Camadas de pó delicadamente dispostas nas maçãs do rosto, a longa trança negra e brilhante, que descia da cabeça até o meio das costas, iluminada pelo sol vespertino que atravessava a janela do quarto.
O casamento fora planejado para dezembro, entre o Natal e o Ano Novo. Uma escolha que, embora romântica, tinha suas razões bem práticas. Maio, o tradicional mês das noivas, era disputado demais, os preços inflacionados e a igreja ficava com a agenda lotada. Dezembro, por outro lado, era uma época em que os noivos costumavam estar mais ocupados com panetones e confraternizações do que com alianças. “Pouca concorrência”, ela dizia, com um sorriso que misturava alívio e leveza.
Na sala, a mãe fingia dobrar lençóis, embora suas mãos tremessem. O pai arrastava a cadeira pela cozinha, um barulho ritmado que preenchia o silêncio. Nenhum deles ousava entrar no quarto. Não havia necessidade. Sabiam exatamente o que estava acontecendo ali.
Ela falava baixinho enquanto se preparava. Algo sobre o horário do cortejo, sobre o véu que deveria cair perfeitamente sobre os ombros. O amor exige capricho, sempre dissera. Era isso que a fazia arrumar cada detalhe do quarto com tanta dedicação: o espelho bem polido, as flores brancas que preenchiam os vasos dispostos na penteadeira, o perfume leve que pairava no ar. Tudo precisava estar à altura do momento que, em sua mente, estava prestes a acontecer.
Levantou-se e pôs-se a andar pela casa como quem se prepara para o que, no fundo, ainda esperava que fosse acontecer. Não havia convidados, nem festa. Nenhum altar ou troca de votos. Apenas ela, o vestido e um dia que, em sua mente, era sempre o mesmo.
Faziam quinze anos que ele partira — um acidente, diziam, mas ela jamais falava disso. Ele partira antes de poder chegar ao altar, mas o casamento nunca deixou de existir para ela. Ano após ano, ela o revivia naquele ritual, colocando a data, o vestido e as palavras que nunca foram ditas, na esperança de que o destino, em algum momento, mudasse de direção.
Naquela noite, a casa se encheu de uma quietude que não podia ser rompida. Mas, por algumas horas, ela não estava sozinha. O noivo estava ali, invisível, mas presente como nunca.
A noiva de dezembro permanecia no centro daquele sonho suspenso, onde o tempo não passava, e o futuro, embora ausente, parecia ao alcance de seus dedos.
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Gurupi-TO, 28 dez 2024
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