Era uma tarde modorrenta, dessas que parecem se equilibrar precariamente entre o tédio e o assombro. Na rua, um cachorro sem dono perseguia sua própria sombra, enquanto um varal lotado de roupas balançava ao vento como bandeiras de uma revolução esquecida. Os sons eram muitos: o eco metálico do martelo de um pedreiro, o motor cansado de um ônibus velho, a conversa entrecortada de duas vizinhas que discutiam o preço das verduras. Sentei-me na varanda com uma xícara de café que já esfriava. Tudo parecia fora do lugar. Uma folha amarelada caiu da mangueira do quintal, e vi nela uma espécie de poema, como se a própria árvore tivesse desistido de segurá-la. Que estranho, pensei, como as coisas mais insignificantes carregam, em seu próprio modo, uma centelha de eternidade. Na calçada, um menino puxava o carrinho de plástico enquanto sua mãe gesticulava ao telefone. Ele ignorava o mundo, concentrado em fazer o carrinho cruzar uma poça d’água que resistia ao sol. Ali, naquela pequena cena, o c...