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Sombras da alma

Existe lá fora um sol que arde inclemente, como se dissesse, em repúdio a toda forma de escuridão: - Não haverá trevas sobre a terra, senão a luz!

Humildemente discordo do onipotente astro-rei. Trago no espírito minhas sombras, lugares ermos onde residem criaturas fantasmagóricas do passado, que de tempos em tempos assolam meus pensamentos. Os escuros da alma...

Levei um tempo para descobrir que não havia modo de aniquilar as ditas criaturas. Estarão comigo até o fim dos meus dias. Quem sabe resolvam adormecer profundamente, a ponto de esquecer por completo minhas lembranças.

Fato é que inevitavelmente outras criaturas se somarão às já existentes, num processo contínuo que envolve o próprio existir. Isso porque viver é estar exposto a toda sorte de emoções. No grande fluxo da existência, inevitavelmente sofremos os influxos do destino. Podemos acordar alegres, e repentinamente sofrermos o revés de um triste evento. Ou quem sabe, ao despertarmos num dia melancólico, sem qualquer perspectiva, podemos encerrá-lo exultantes e cheios de esperança, tal qual ocorre no exato instante em que a paixão adentra de modo avassalador nossos corações.

No findar destas linhas, sei que algum antigo fantasma estará à minha espreita. Mas não há motivo para temor. Hei de encará-lo no fundo dos seus olhos de gelo. E inevitavelmente estarei diante de um espelho, totalmente despido, observando algum medo que teima em não partir.

* * * 

Gurupi, set 2015.

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