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Dança do tempo

A vida parecia dançar em sua cabeça. Os dias uniam-se às noites, e assim, entre os períodos de sono e vigília, se completavam semanas, meses, anos.  

Há mais de dois anos residindo naquela cidade, e mesmo assim sentia-se um completo forasteiro. Já não lembrava mais da sensação de ter raízes em algum lugar. Não possuía um lugar para chamar de seu. Sequer sabia que rumo seguir.

Atônito. Lentamente sentia que o tempo cobrava seu preço. Aos poucos, a juventude esvaía-se do seu corpo. O espírito, todavia, envelhecera bem antes. A intolerância cada vez mais presente o afastava do convívio de outras pessoas. Não suportava frivolidades. A solidão era destino certo.

Chegara até ali sem ter realizado qualquer projeto digno de nota. Amigos se casavam, tinham filhos, casas bem decoradas, enquanto ele discutia com o locador o valor do aluguel do minúsculo apartamento onde habitava. O último, quiçá único, amor – ah, o amor! – que teve viu partir para longe... corações feridos. Talvez nunca mais se vissem, e essa possibilidade realmente o assustava. Estaria casada, com filhos, levando a vida comezinha que ele se negou a lhe proporcionar? O mundo não tolera covardes, meu caro!

Anoiteceu sem que percebesse. E com o cair da noite uma forte chuva após longos meses de estiagem. Aos poucos o ar que respirava perdeu sua aridez. Esperava que o sono lhe trouxesse um sonho bom.

***
Rio Verde, 10 set 2015.

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