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Dialogando com Mario Quintana


Mestre Quintana, veja só, aprontaste das suas até mesmo no dia da sua partida.  Não queria saber de barulho no velório, bajulações tardias e sem propósito. Escolheu justamente o famigerado 5 de maio de 1994, dia em que o país, tomado por uma comoção generalizada, despedia-se do piloto Ayrton Senna da Silva.

Mestre Quintana, neste canto do mundo onde diviso apenas solidão e desassossego, os seus cantares me guiam dentro da noite escura. Luzem estrelas luares, vossos quintanares, conforme a suprema sapiência de Manuel Bandeira.

“Quem faz um poema salva um afogado”. Fato incontroverso, caro poeta. Teus versos são boias atiradas ao mar dos desesperados. Inegavelmente carregam um sopro de vida, estes teus versos.

Mestre Quintana, certo dia me ensinaste que um desejo utópico não merece ser desprezado. “Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las”.

Me cerco de desejos inatingíveis neste momento, caro mestre. A esperança de um mundo melhor para todas as criaturas. O perfume doce de uma boca de mulher. A liberdade de voar fora da asa. Paz para os espíritos beligerantes, inclusive o meu. Quimeras, amigo poeta.

“O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos/E foi morrer na gare de Astapovo!... Ele fugiu de casa.../Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade.../Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!”. Espero um dia ser velho o bastante, mestre Quintana, e quem sabe realizar os sonhos aos quais não compareci.

* * *

Rio Verde, 10 set 2015.

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