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Quintal das lembranças


Os Novos Baianos

Passaram-se os anos, o mundo vertiginosamente mudou de direção e os sonhos de outrora hoje mais se assemelham com aquarelas infantis esquecidas na gaveta de um cômodo antigo. Mas na esteira do tempo, a epopeia musical engendrada  pelos Novos Baianos parece não ter envelhecido.

Tudo começou quando um jovem garoto chamado Moraes Moreira (Antônio Carlos Moreira Pires) partiu do interior baiano, mais precisamente da pequena Itauçu, encravada na Chapada Diamantina, rumo a Salvador, com a intenção de cursar Medicina.

Artista desde cedo em seu recanto natal, não demorou muito para que Moraes enveredasse por esse caminho. Entrou para o Seminário de Música da Bahia, onde conheceu o músico Tom Zé, de quem chegou a ser aluno. Foi Tom Zé que apresentou Moraes a Luiz Galvão, misto de engenheiro e poeta, e os dois tornaram-se os principais compositores dos Novos Baianos.

Não demorou muito para que um terceiro integrante viesse a juntar-se aos dois - Paulinho "Boca de Cantor". Crooner de orquestra, Paulinho já era um cantor escolado nas noites soteropolitanas, e veio a somar com seu talento musical mais qualidade às composições que ganhavam vida nos versos de Galvão e nas melodias de Moraes.

O apoio instrumental teve como base os integrantes de uma família de músicos de Salvador, a família Gomes, que deu ao grupo além do baterista, um jovem guitarrista de técnica apurada, fã confesso de Jimi Hendrix, capaz de misturar facilmente rock'n roll com baião e outros ritmos genuinamente brasileiros, chamado Pepeu Gomes.

O toque feminino ficou por conta de uma garota fluminense, natural de Niterói, que um certo dia resolveu fugir de casa rumo à Bahia. Chegando a Salvador, conheceu aquele grupo de músicos e não pensou duas vezes em juntar-se à trupe. Seu nome era Baby Consuelo. Com sua enorme energia e seu carisma, a menina de voz estridente deu uma nova vida ao conjunto.

E naquela altura Salvador já não mais comportava a convulsão criativa dos Novos Baianos. Partiram rumo ao Rio de Janeiro. Lá, dividiram um apartamento e posteriormente fixaram-se em um sítio na região de Jacarepaguá, onde era possível ver inscrito na bandeira do Brasil a expressão "Sítio do Vovô" no lugar do lema positivista "Ordem e Progresso".

Foi nesse período que certo dia receberam no apartamento em que moravam a visita de um homem elegantemente vestido, trajando um terno bem cortado, que ao se apresentar disse: - Prazer. Eu sou o João Gilberto! – para susto de todos. João Gilberto já era um artista mundialmente conhecido, mas interessou-se pela musicalidade daqueles garotos conterrâneos seus e resolveu apresentar o samba e a bossa nova a eles. E dessa mistura de elementos aparentemente tão díspares – bossa nova, baião, samba e rock – nasceu uma música de alta brasilidade, com DNA puramente auriverde.

Em 1972, pela recém criada gravadora Som Livre, presidida pelo produtor musical João Araújo (pai do cantor Cazuza), foi lançado o álbum mais importante dos Novos Baianos, Acabou Chorare. Fato curioso é que foi durante os ensaios que aconteciam na casa de João Araújo que o menino Cazuza, com apenas sete anos de idade, afirmou que seria músico.

Com a saída de Moraes Moreira do conjunto em 1975, os Novos Baianos perderam em inspiração. O grupo ainda seguiu até 1979, quando se desfez. Com dez anos de duração, os Novos Baianos fizeram pela música brasileira muito mais do que muita gente hoje não seria capaz de fazer em um século.

Brasil Pandeiro 

Samba da Minha Terra

Mistério do Planeta

Preta Pretinha

A menina dança

Arquivo TV Cultura - Trama/Radiola

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