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O vinho mais antigo do mundo

Hoje foi aberta em Londres a garrafa daquele que é oficialmente considerado o champanhe mais antigo do mundo, produzido pela casa francesa Perrier Jouët no ano de 1825. Para apreciá-lo, foi escolhido um seletíssimo grupo de doze renomados degustadores.

Penso que deve ser um privilégio sentir o sabor de algo tão raro, embora haja controvérsias sobre o fato do aludido vinho ser o mais antigo de todos. Ainda assim, não há que ser desmerecida a oportunidade dada a cada um daqueles doze indivíduos, a partir de hoje declarados os doze guardiões do segredo contido naquela garrafa.

Penso ainda nas lembranças diluídas em cada gota do divino líquido - as mãos da jovem camponesa nascida na província de Champagne, de pele queimada pelo sol, recolhendo cuidadosamente os cachos de uvas pendentes no parreiral, entregando-os à sua mãe, que tratava de ajeitá-los nos caixotes de madeira, até o dia em que ela própria, já no papel de mãe, é quem guardará as uvas, enquanto sua filha executará a tarefa que um dia lhe incumbiu.

Penso nas carroças conduzidas pelos agricultores circunspectos, homens de sorrisos raros, que ao final da tarde, quando o sol se despedia da vasta planície coberta pelos vinhedos, apareciam para recolher os caixotes abarrotados de uvas, as quais eram levadas para a prensagem e depois fermentadas em velhos barris de carvalho.

Penso no poder que uma simples garrafa de vinho tem de atravessar incólume as barreiras do tempo - de geração em geração, por quase dois séculos percorrendo a árvore genealógica de uma família, enfrentando revoluções, guerras e toda espécie de fúria humana, para singelamente ser aberta e apreciada por uma dúzia de milionários arrogantes.

Penso que, por fim, à semelhança de uma garrafa rara de vinho, pode ser o amor antigo. Este também atravessa gerações, jamais fenece. Todavia, ao contrário de um bom vinho, os conservantes do amor antigo não garantem a estabilidade do seu sabor. Feito de tormentas, de explosões de ódio e paixão, o sabor do amor antigo pode restar amargo ou demasiado doce, a depender das condições climáticas em que foi cultivado.

Por isso, deixemos em paz o amor antigo.

* * *
Goiânia, 21 mar 2011.

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