A resistência do chuveiro queimara na noite anterior e sabia que o banho gelado na manhã seguinte seria inevitável. Suspirou profundamente.
Ainda pensava nela, é verdade – a maneira como desfilava pelos cômodos do seu pequeno apartamento. Um sol profundo parecia iluminar e aquecer seu coração sombrio durante aqueles dias. E disso sentia falta. Mas não esboçava nenhuma melancolia, apenas uma lembrança passageira que logo se dissipou ao colocar as mãos no livro que estava lendo antes de dormir.
Passeava pelas ruas insalubres de Havana enquanto consumia as linhas daquele livro de contos do Pedro Juan Gutiérrez. Pensou que gostaria de viver daquele modo, desvencilhado das convenções sociais, movido apenas pelos extintos e pelas necessidades fisiológicas do seu corpo humano. Álcool e sexo, resumindo em duas palavras. Porém, mal terminado um dos contos, lembrou que precisava dormir, acordaria cedo para o trabalho.
Levantou-se aborrecido, o tempo correra mais rápido que o planejado. Dormindo em pé, dirigiu-se para o banheiro. Acendeu a luz e uma forte ardência invadiu seus olhos. Esperou alguns instantes até que pudesse abri-los completamente.
Entrou no box e abriu de uma só vez a torneira do chuveiro. Esquecera-se da resistência queimada. Assustou-se. Deu um passo para trás e ficou espiando a água que corria para o ralo. Vagarosamente deixou que a água gelada percorresse seus pulsos. Era maio e fazia frio. Sentiu o coração acelerar naquele instante, como se prenunciasse uma tragédia inevitável.
De olhos fechados, deu um passo a frente e sentiu a água gelada invadindo toda a extensão da pele. Suspendeu a respiração enquanto sentia o coração batendo forte. Quis gritar, mas prendeu a voz. Com as mãos apoiadas na parede, sentia a contração pulmonar. Respirou fundo e segurou o ar mais uma vez. Um pequeno sorriso desenhou-se em seu rosto ao perceber que estava vivo.
* * *
Goiânia, 16 mar 2011
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