sábado, 10 de dezembro de 2011

O que é inspiração?


Revendo algumas coisas esquecidas pela memória, encontrei esse texto que publiquei em 12/04/2004. Lá se vão mais de 7 anos, mas nem parece tanto tempo assim. Incrível como o tempo nos foje ao controle... Mas sem maiores delongas, reproduzo este pequeno ensaio, que um dia intitulei O que é inspiração? - mensagem ao novo escritor. Ei-lo:

* * *

Inspiração... palavra tão misteriosa quanto mágica. Sempre fico vexado quando me perguntam coisas do tipo "como é que você imaginou escrever isso?". Certamente, se eu tivesse a resposta , seria o homem mais rico do planeta. 

Difícil dizer, mas fácil sentir. Sempre que penso no ato conceptivo da escrita, lembro das palavras de Cora Coralina em entrevista cedida à TV Cultura. Lembro de Cora, do alto dos seus 94 anos, dizendo que "a poesia está no lixo". Com essas simples palavras, até certo ponto contraditórias (poesia/lixo), Cora resumiu a ânsia que eu sentia em não saber dizer onde começa o umbigo do escrever. 

A poesia está em todos os lugares, literalmente no lixo, como certa feita escreveu João Cabral de Melo Neto no poema "O Bicho": 

Vi ontem um bicho 
Na imundície do pátio 
Catando comida entre os detritos. 
Quando achava alguma coisa, 
Não examinava nem cheirava: 
Engolia com voracidade. 
O bicho não era um cão, 
Não era um gato, 
Não era um rato. 
O bicho, meu Deus, era um homem. 

Rachel de Queiroz, em seu último artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, intitulado A INSPIRAÇÃO NÃO VEM PARA TODOS, bem diz que a inspiração é algo que "você sentindo vagamente que tem umas coisas para dizer ou uma história para contar. Ou, às vezes, ambas. Fica aquilo lá dentro, meio incômodo, meio inchado (na minha terra se diria como "uma dor incausada"), quando um belo dia a coisa dá para se mexer. Surgem frases já inteiras, surgem indefinições que, se você for ladino bastante, anota para depois aproveitar; mas se for o contumaz preguiçoso confia-as à memória e depois as esquece. Dentro da enxurrada de frases e de idéias aparecem, então, as pessoas. Surgem como desencarnados numa sessão espírita - timidamente, imprecisamente. São uma cabeça, um silhueta, uma voz. Neste ponto, com as frases, pensamentos e criaturas (e mormente com o cenário, embora ainda não se haja falado nele), nessa altura, a história já se está arrumando. Você sabe mais ou menos o que contar". 

Explicar o que parece inexplicável... Deus existe? Pra onde vamos depois da morte? São respostas que não nos pertence. E a inspiração? Um conselho: respire fundo, se possível, debaixo de sombras benfazejas. Olhe as coisas ao redor. Mas nada de lançar olhares objetivos. Examine as minúcias da vida, esses infindáveis presentes que nos são dados diariamente e por nós tolamente ignorados. Assim, você aprenderá a apreender a essência transcendente da vida. E quando não mais aguentar de tanto que a sua cabeça pensa, você compreenderá o que é inspiração. 

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