sábado, 5 de fevereiro de 2011

Quintal das lembranças

Waly Salomão
O poeta da Tropicália

Filho de pai sírio e mãe sertaneja, o poeta baiano de Jequié Waly Salomão (1944-2003) deveria chamar-se "Ali", nome árabe que significa "o iluminado". Todavia, porque supostamente estivesse bêbado, o funcionário do cartório gravou o nome tal qual permaneceu, iniciado com W e finalizado com Y.

Mas chamá-lo de poeta somente é pouco. Waly também caminhou com desenvoltura pelas artes plásticas, música, cinema, enfim, por todos os terrenos onde pudesse colocar em prática sua irreverência e criatividade convulsiva.

Entre suas parcerias musicais, destacam-se Gal Costa, principal intérprete de suas canções, o cantor e compositor carioca Jards Macalé, e ultimamente o grupo O Rappa, que chegou a homenageá-lo em um dos seus discos.

Alguns poemas de Waly:
 
Devenir, devir

Término de leitura
de um livro de poemas
não pode ser o ponto final.

Também não pode ser
a pacatez burguesa do
ponto seguimento.

Meta desejável:
alcançar o
ponto de ebulição.

Morro e transformo-me.

Leitor, eu te reproponho
a legenda de Goethe:
Morre e devém

Morre e transforma-te.  


Amante da Algazarra

Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto.
É ela !!!
Todo mundo sabe, sou uma lisa flor de pessoa,
Sem espinho de roseira nem áspera lixa de folha de figueira.

Esta amante da balbúrdia cavalga encostada ao meu sóbrio ombro
Vixe!!!
Enquanto caminho a pé, pedestre -- peregrino atônito até a morte.
Sem motivo nenhum de pranto ou angústia rouca ou desalento:
Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto
E se apossou do estojo de minha figura e dela expeliu o estofo.

Quem corre desabrida
Sem ceder a concha do ouvido
A ninguém que dela discorde
É esta
Selvagem sombra acavalada que faz versos como quem morde.
 
 
Hoje
O que menos quero pro meu dia
polidez, boas maneiras.
Por certo,
               um Professor de Etiquetas
não presenciou o ato em que fui concebido.
Quando nasci, nasci nu,
ignaro da colocação correta dos dois pontos,
do ponto e vírgula,
e, principalmente, das reticências.
(Como toda gente, aliás...)
Hoje só quero ritmo.
Ritmo no falado e no escrito.
Ritmo, veio-central da mina.
Ritmo, espinha-dorsal do corpo e da mente.
Ritmo na espiral da fala e do poema.
Não está prevista a emissão
de nenhuma “Ordem do dia”.
Está prescrito o protocolo da diplomacia.
AGITPROP – Agitação e propaganda:
Ritmo é o que mais quero pro meu dia-a-dia.
Ápice do ápice.
Alguém acha que ritmo jorra fácil,
pronto rebento do espontaneísmo?
Meu ritmo só é ritmo
quando temperado com ironia.
Respingos de modernidade tardia?
E os pingos d’água
dão saltos bruscos do cano da torneira
                e
passam de um ritmo regular
para uma turbulência
                aleatória.
Hoje...

Mal secreto (Waly Salomão e Jards Macalé)

Vapor barato (Waly e Jards) - O Rappa

Nenhum comentário: