Já havia escrito aqui sobre João do Vale há algum tempo (Quintal das lembranças - parte IV). Minha intenção agora é ressuscitar uma crônica que escrevi a seu respeito, intitulada "O carcará encantado", a seguir reproduzida.
O carcará encantado
Numa dessas manhãs nubladas em que a vida se enche de saudosismo, fui tomado pelas memórias do meu tempo como estagiário de direito, em especial aquelas dos dias em que a instituição na qual servia entrou em greve. Na ocasião, por determinação da chefia superior, ao menos um dos estagiários deveria ficar de plantão em cada turno, a fim de atender algum caso urgente que viesse a aparecer.
Dentre as pessoas que laboravam na repartição, guardo ainda viva a lembrança da faxineira que diariamente limpava o lugar, de nome Andréia, que a todos cativava com seu jeito simples e espontâneo. Não me recordo, porém, se ela alguma vez chegou a pronunciar meu nome, pois usualmente tratava a todos pelo epíteto “irmão”.
O fato é que a “irmã” Andréia estava grávida; a barriga proeminente denunciava que o parto estava próximo. Em algumas ocasiões a surpreendi fumando no estacionamento. Chamava sua atenção, explicando que o cigarro era prejudicial a ela e ao bebê. “Vou fumar só esse por hoje, irmão” – displicentemente respondia.
Em um dia modorrento, onde o tempo se arrastava com a velocidade de um velho caramujo, a “irmã” adentrou a minha sala, encontrando-me diante do computador ouvindo uma rádio virtual. Pelos alto-falantes saía o memorável show Opinião, estrelado por Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale. Ali, naquelas vozes, vários “Brasis” se encontravam: a classe média carioca, representada pela bossa nova de Nara Leão; o morro e suas súplicas, suas alegrias e tristezas, cantadas por um dos seus intérpretes maiores, Zé Keti; e o Brasil "de dentro", da caatinga e de todos os sertões afins, representado pelo lirismo sertanejo do inesquecível João do Vale.
Mas eram as letras e a história de vida do maranhense João do Vale que me levavam a um outro lugar, certamente alguma gleba perdida na infância. Igualmente maranhense, só que pela linhagem paterna, para mim seria impossível não encontrar nele laços de identidade. Em 1996, quando da sua morte, foi noticiado o falecimento do autor de “Carcará”, música imortalizada na voz de Maria Bethânia. Menino analfabeto de Pedreiras, interior do Maranhão, fugiu de casa para tentar a sorte no Rio de Janeiro. Mesmo tendo sido gravado por nomes como Edu Lobo, Fagner, Tim Maia, Zé Ramalho, Chico Buarque, Tom Jobim, Miúcha, Paulinho da Viola, entre tantos outros, João do Vale foi relegado à vala comum do esquecimento.
Sobre a “irmã” que naquela ocasião me espreitava curiosa... perguntei a ela se já tinha ouvido falar naquele nome, João do Vale. Sem alarde, para meu espanto ela respondeu: “Ele era meu tio, irmão”. Quis saber então onde ela tinha nascido. “Eu nasci em Pedreiras, lá no Maranhão”. Fiz outras perguntas, e as respostas condiziam fielmente com a biografia dele. Andréia então me relatou que João do Vale era irmão de sua avó materna. Ela mesma o vira algumas vezes, quando criança. E disse-me que João era um homem simples, tendo como fraqueza maior a cachaça. Contou ainda sobre o retorno dele a Pedreiras, em definitivo, já vitimado por um derrame. E falou-me da praça que leva o seu nome, e do seu local de nascimento, Lago da Onça, zona rural daquele município.
Nunca mais tive notícias de Andréia, mas espero que ela tenha largado o cigarro. Sobre João do Vale, ainda acredito que ele e sua obra serão imortalizados. Afinal, como certa vez escreveu outro João, de sobrenome Guimarães Rosa, “O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas”.
* * *
Goiânia, 30 de agosto de 2009.
Dentre as pessoas que laboravam na repartição, guardo ainda viva a lembrança da faxineira que diariamente limpava o lugar, de nome Andréia, que a todos cativava com seu jeito simples e espontâneo. Não me recordo, porém, se ela alguma vez chegou a pronunciar meu nome, pois usualmente tratava a todos pelo epíteto “irmão”.
O fato é que a “irmã” Andréia estava grávida; a barriga proeminente denunciava que o parto estava próximo. Em algumas ocasiões a surpreendi fumando no estacionamento. Chamava sua atenção, explicando que o cigarro era prejudicial a ela e ao bebê. “Vou fumar só esse por hoje, irmão” – displicentemente respondia.
Em um dia modorrento, onde o tempo se arrastava com a velocidade de um velho caramujo, a “irmã” adentrou a minha sala, encontrando-me diante do computador ouvindo uma rádio virtual. Pelos alto-falantes saía o memorável show Opinião, estrelado por Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale. Ali, naquelas vozes, vários “Brasis” se encontravam: a classe média carioca, representada pela bossa nova de Nara Leão; o morro e suas súplicas, suas alegrias e tristezas, cantadas por um dos seus intérpretes maiores, Zé Keti; e o Brasil "de dentro", da caatinga e de todos os sertões afins, representado pelo lirismo sertanejo do inesquecível João do Vale.
Mas eram as letras e a história de vida do maranhense João do Vale que me levavam a um outro lugar, certamente alguma gleba perdida na infância. Igualmente maranhense, só que pela linhagem paterna, para mim seria impossível não encontrar nele laços de identidade. Em 1996, quando da sua morte, foi noticiado o falecimento do autor de “Carcará”, música imortalizada na voz de Maria Bethânia. Menino analfabeto de Pedreiras, interior do Maranhão, fugiu de casa para tentar a sorte no Rio de Janeiro. Mesmo tendo sido gravado por nomes como Edu Lobo, Fagner, Tim Maia, Zé Ramalho, Chico Buarque, Tom Jobim, Miúcha, Paulinho da Viola, entre tantos outros, João do Vale foi relegado à vala comum do esquecimento.
Sobre a “irmã” que naquela ocasião me espreitava curiosa... perguntei a ela se já tinha ouvido falar naquele nome, João do Vale. Sem alarde, para meu espanto ela respondeu: “Ele era meu tio, irmão”. Quis saber então onde ela tinha nascido. “Eu nasci em Pedreiras, lá no Maranhão”. Fiz outras perguntas, e as respostas condiziam fielmente com a biografia dele. Andréia então me relatou que João do Vale era irmão de sua avó materna. Ela mesma o vira algumas vezes, quando criança. E disse-me que João era um homem simples, tendo como fraqueza maior a cachaça. Contou ainda sobre o retorno dele a Pedreiras, em definitivo, já vitimado por um derrame. E falou-me da praça que leva o seu nome, e do seu local de nascimento, Lago da Onça, zona rural daquele município.
Nunca mais tive notícias de Andréia, mas espero que ela tenha largado o cigarro. Sobre João do Vale, ainda acredito que ele e sua obra serão imortalizados. Afinal, como certa vez escreveu outro João, de sobrenome Guimarães Rosa, “O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas”.
* * *
Goiânia, 30 de agosto de 2009.
Chico Buarque e João do Vale intepretando "Carcará"
Um comentário:
eu vi esseespecial na globo em 1982
estava com treze anos de idade
nao entendia nada da quela musica mas
gostei quando ouvi no mesmo instante
sempre quiz ver auele especial de novo agora so pela internete que posso ver chico e joao do vale
nunca vou esquecer aquelas imagem
será imortal como ele chico
e todos os grande poetas da musica
brasileira abraços a todos que
gostam de joao do vale
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