sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Pílulas do Grande Sertão

João Guimarães Rosa preparando-se para sair em comitiva pelos sertões mineiros

Não esboçarei qualquer tentativa de resenha acerca deste livro. Basta uma rápida visita ao Google e o internauta encontrará monografias, teses, dissertações, tratados e afins dando conta do universo roseano descrito nas páginas do Grande Sertão: Veredas. O idioma fica à escolha do leitor, já que a obra foi traduzida para o italiano, alemão, inglês, francês, espanhol... em inglês, o livro foi batizado com o título The Devil to Pay in the Backlands, certamente em referência à frase constantemente repetida pelo jagunço Riobaldo, “o diabo na rua, no meio do redemunho”.

O que posso dizer é que com este livro o Brasil certamente ganharia um Nobel de Literatura. Os editores estrangeiros já haviam decidido lançar o nome de Guimarães Rosa como candidato ao prêmio. Mas João partiu antes. Ou como ele dizia, “as pessoas não morrem, ficam encantadas”.

A idéia das “Pílulas do Grande Sertão” eu retirei do site Poesia.net. A elas acrescentei algumas pílulas garimpadas por mim, ao longo da minha terceira leitura deste que,na minha singela opinião, é a maior obra edificada sob o idioma português, ou melhor dizendo, roseano.


Coração de gente — o escuro, escuros.

Quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade.

Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar.

No sistema de jagunços, amigo era o braço, e o aço!

Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou — amigo — é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é.

O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.

Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.

A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.

O diabo é às brutas; mas Deus é traiçoeiro!

Quem muito se evita, se convive.

Julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado.

O que lembro, tenho.

Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.

Quem mói no asp'ro não fantaseia.

Quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente.

Vingar... é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais.

Comandar é só assim: ficar quieto e ter mais coragem.

Toda saudade é uma espécie de velhice.

Riu de me dar nojo. Mas nojo medo é, é não?

Um sentir é do sentente, mas outro é do sentidor.

Manter firme uma opinião, na vontade do homem, em mundo transviável tão grande, é dificultoso.

Viver — não é? — é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver mesmo.

Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães...

Feito flecha, feito fogo, feito faca.

Vi: o que guerreia é o bicho, não é o homem.

Tudo é e não é.

Mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir.

Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!

O sertão é do tamanho do mundo.

Sertão é dentro da gente.

O sertão é sem lugar.

O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa.

O sertão não chama ninguém às claras; mais, porém, se esconde e acena.

O sertão é uma espera enorme.

Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas.

A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero.

A vida é muito discordada. Tem partes. Tem artes. Tem as neblinas de Siruiz. Tem as caras todas do Cão e as vertentes do viver.

O senhor vá ver, em Goiás, como no mundo cabe mundo.

Mas, por cativa em seu destinozinho de chão, é que árvore abre tantos braços.

Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza.

Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

A mocidade da gente reverte em pé o impossível de qualquer coisa.

O mal ou o bem, estão é quem faz; não no efeito que dão.

Viver é etcétera...

O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe pra gente é no meio da travessia.

Confiança - o senhor sabe - não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa.

O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Quintal das lembranças – parte IV

João do Vale
O carcará encantado


João Batista Vale (*11/10/1933 - Pedreiras, MA; † 6/12/1996 - São Luís, MA), ou simplesmente João do Vale, foi o quinto numa família de oito irmãos, dos quais somente três sobreviveram.

Ainda garoto, foi obrigado a deixar a escola, a fim de ceder o lugar para o filho de um coletor de impostos recém chegado na região. Aos 12 anos de idade, mudou-se, juntamente com a família, para a capital maranhense. Aos 15 anos, fugiu de casa, indo para Teresina, onde trabalhou como ajudante de caminhão. Viajou para várias cidades, e numa dessas oportunidades chegou a Salvador. De lá, decidiu que iria para o Rio de Janeiro.

Na capital carioca, João do Vale conseguiu o serviço de pedreiro. Como não possuía residência fixa, dormia ali mesmo, no interior das construções. Durante o dia, ocupava-se no ofício. À noite, visitava rádios, à procura de artistas que gravassem suas composições. Numa dessas oportunidades conheceu Tom Jobim, que tocava piano num inferninho de Copacabana.

Nos anos 1950, suas músicas começaram a ser gravadas por alguns artistas. Fato relevante dessa época foi a parceria firmada com Luiz Gonzaga, artista já consagrado, o que se deu em 1957.

Já no início da década de 1960, a convite do sambista Zé Kéti, passou a apresentar-se no Zicartola, importante reduto de sambistas e compositores populares. Nascia ali a idéia do Show Opinião.

E o carcará ascendeu o seu vôo no cenário musical brasileiro. Gravado por artistas como Chico Buarque, Fagner, Maria Bethânia, Tom Jobim, Edu Lobo, Paulinho da Viola, Nara Leão e tantos outros, João do Vale representava o ideal de um artista em estado puro, genuinamente brasileiro, que carregava em seu canto o sofrimento dos milhões de sertanejos esquecidos e órfãos do seu próprio país.

Fato pessoalmente marcante foi quando conheci, aqui em Goiânia, uma sobrinha do inesquecível João do Vale. Na ocasião eu era estagiário em um órgão público federal (que por sinal estava de greve). Naquele momento entretinha-me ouvindo o Show Opinião quando a faxineira adentrou a sala. Então perguntei-lhe se conhecia, ou pelo menos ouvira falar, em João do Vale. Ela, sem qualquer alarde, disse-me que ele era seu tio. Espantado com a resposta, perguntei-lhe qual a sua origem, ao que ela respondeu:

- Eu sou de Pedreiras, irmão!

Então ela me contou que João do Vale era irmão da sua avó materna. Ela mesma o vira algumas vezes, quando criança. E disse-me que ele era um homem simples, tendo como fraqueza maior a cachaça. Falou-me também de quando João do Vale regressou à Pedreiras em definitivo, vitimado por um derrame. E falou-me da praça que leva o seu nome, e do seu local de nascimento, Lago da Onça, zona rural de Pedreiras...

Para saber mais sobre João do Vale e outros artistas:

http://www.dicionariompb.com.br/



João do Vale e Jackson do Pandeiro juntos, interpretanto a música "O canto da ema", de João do Vale

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Show Opinião


Vários “Brasis” dialogando juntos no mesmo palco

1964. Em abril daquele ano o país experimentava o início dos anos de chumbo da ditadura militar. Musicalmente falando, a bossa nova ainda era o gênero mais conhecido, e agora admirado, no mundo inteiro.

Todavia, a bossa nova já não mais guardava o mesmo frescor de 1958, ano oficial do seu nascimento. Cada vez mais distante da tradição de música popular, a bossa nova era vista como um gênero elitizado, e até certo ponto enfadonho, buscando repetir as fórmulas de sucesso do passado.

Eis que em dezembro de 1964 o Grupo Opinião, fundado por Oduvaldo Viana Filho (Vianinha) e Ferreira Gullar, entre outros, organizou na cidade do Rio de Janeiro o lendário Show Opinião, que contava com a participação de Nara Leão (posteriormente substituída por Maria Bethânia), João do Vale e Zé Kéti.

Nara Leão foi o grande expoente feminino da bossa nova. Nascida numa família de classe média alta, Nara viveu boa parte da sua vida em Copacabana. E foi justamente ela uma das grandes responsáveis pela revitalização do gênero, vez que rompeu com certos preconceitos da época e gravou compositores populares como Cartola, Zé Kéti e Nelson Cavaquinho, bem como flertou com a Jovem Guarda, chegando a gravar Erasmo e Roberto Carlos.

Por sua vez, Zé Kéti foi um legítimo representante do Rio de Janeiro periférico e favelado. Seu nome figura no olimpo dos grandes compositores de samba. Traço marcante das composições do sambista carioca são as letras de protesto. Por outro lado, Zé Kéti é um exímio cronista do cotidiano, retratando com bom humor as dificuldades vivenciadas pelos moradores de morros e favelas.

João do Vale, nascido no interior do Maranhão, sintetizava a música sertaneja nordestina. Para muitos, e com justiça, seu nome encontra-se na mesma linhagem de compositores como Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga. Semi-analfabeto, descendente de escravos, João do Vale soube reproduzir com forte sentimento poético as agruras vividas pelo sertanejo nordestino.


Clique aqui e baixe o Show Opinião.

Créditos do link by Loronix.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Quintanares

O velho Leon Tolstoi


POEMA DA GARE DE ASTAPOVO


O velho Leon Tolstoi fugiu de casa, aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres
.............................................................do mundo,

Contra uma parede nua...
Sentou-se... e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Glória,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo tão sozinho àquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali à sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A Morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontuamente na hora incerta...)

Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos os que realizam os velhos sonhos da
..............................................................infância!


(Mário Quintana)

Violão e Bandolim

Encontro histórico do bandolinista carioca Hamilton de Holanda e do violonista gaúcho Yamandu Costa. Para quem já conhece o trabalho dos dois, vale a pena conferi-los em ação. Para quem não conhece, vale dizer que os dois são os representantes máximos do instrumental brasileiro de cordas contemporâneo.


Yamandu Costa e Hamilton de Holanda interpretando Astor Piazzolla.

In memorian

"Quanto mais o tempo passa
Mais atemporal fico.
Gosto das coisas fora do tempo.
Ofereço meu tempo à arte!"

Rubens Gerchmann (Rio de Janeiro - RJ, 10/01/1942; São Paulo - SP, 29/01/2008)


Em plena sintonia com o cenário carioca de intensas e apaixonadas discussões acerca de proposições políticas e/ou artístico-culturais, a produção gráfica de Rubens Gerchman dos anos 1960, caracterizou-se, particularmente, por seu extremo vigor narrativo: por sua vontade de informar, de comunicar-se, com os milhares de Joãos, Marias e anônimos, seja da classe média ou do subúrbio carioca, mas que compartilham das mesmas alegrias e angústias, dos mesmos ídolos, símbolos sexuais ou sonhos de consumo. Como uma tentativa de refletir sobre as consequências alienantes dos processos de comunicação de massa no mundo contemporâneo.

Exímio desenhista, entrou em contanto com as artes gráficas ainda menino, no estúdio de desenhistas gráficos de seu pai, artista gráfico e desenhista de publicidade. Entre 1957 e 1958, estudou gráfica do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e, de 1959 a 1961 - salvo um breve interregno, devido ao serviço militar obrigatório - cursou a Escola Nacional de Belas Artes; quando frequentou o ateliê de gravura em madeira de Adir Botelho. Nos anos que se caracterizaram como os mais fecundos da arte brasileira da década de 1960 - de 1964 a 1967; Gerchman integrou as mais importantes mostras-exposições-eventos da época: II Jovem Desenho Nacional- MAC; Opinião 65; happening inaugural da Galeria G-4; Tropicália; Opinião 66; Nova Objetividade Brasileira - quando expôs "Lindonéia", obra síntese do tropicalismo musical dos anos 1960; IX Bienal de São Paulo; e a I Bienal de Salvador: destacando-se em primeiro lugar na categoria de arte experimental. Foi também entre os anos de 1958 e 1966, que trabalhou nos principais veículos de comunicação da capital carioca, como profissional gráfico.

Vencedor do prêmio viagem ao exterior, no XV Salão de Arte Moderna-RJ, de 1966, com a obra “A ditadura das coisas”; Gerchman ouviria a promulgação do AI-5, durante sua travessia marítima, rumo aos EUA. Lá, e mediante a experimentação de novos meios, suportes e/ou materiais de tecnologia avançada, Gerchman incursiona por vertentes mais formais, conceitualistas. Em 1970, estuda vídeo por seis meses na Universidade de Nova iorque. Quando de seu retorno ao país, em 1971, como fruto destas pesquisas e grande contribuição para a arte contemporânea brasileira, conclui a produção de seu filme Triunfo Hermético.
Entre 1974-75, e de entremeio a atividade de direção da Escola de Artes Visuais do Departamento de Cultura do Estado do Rio, que assumiria entre 1975-79; foi co-fundador de Malasartes: tentativa de criação de uma revista destinada ao debate a à experimentação em artes.

Temporariamente, mas não absolutamente, desligado de sua pintura narrativa acentuadamente crítica e denunciadora, voltada para o folclore urbano, Gerchman, voltando a se dedicar quase que exclusivamente à ela, em meados da década de 1970, retoma também seu universo temático dos anos 1960. Mas, não por nostalgia, senão porque Rubens Gerchman fora, é, e continuará sendo um dos mais perspicazes e competentes cronistas visuais que a cidade do Rio de Janeiro já concebeu.

Fonte: http://www.mac.usp.br/projetos/seculoxx/modulo4/g4/gerchman/index.html

Conheça a obra de RUBENS GERCHMAN