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O mistério da mulher


Certa altura, a poetisa mineira Henriqueta Lisboa definiu de modo sublime que “o mistério da mulher está em cada afirmação ou abstinência, na malícia das plausíveis revelações, no suborno das silenciosas palavras”. Com total razão: mulher é puro encantamento, ser mítico, miragem no deserto da solidão de qualquer homem ou de quem a deseje.

Acerca da geometria das linhas, particularmente me encantam as imperfeições: a barriguinha saliente, coxas e nádegas volumosas travando lutas homéricas com o jeans, as maçãs ressaltadas, pintas aspergidas ao longo da pele... Um conjunto assim, acompanhado de uma personalidade enigmática, e logo sinto tremer o chão sob meus pés.

Nada contra as assíduas frequentadoras de academia. Contudo, é com melancólica tristeza que diviso a moça em frente ao espelho em busca da selfie perfeita. Infindáveis exercícios para alcançar músculos bem definidos, tal qual um lutador de MMA. A cada série concluída, uma postagem nas redes sociais em busca de aprovação do mundo, como se dissesse “ei, não me ignorem, estou fazendo minha parte!”. Me pergunto se há feminilidade nisso tudo. E me preocupo se tantos exercícios também não podem enrijecer a alma dessas mulheres, a ponto de torná-las seres desprovidos de ternura. Que diria você, meu caro Vinicius de Moraes, para quem a mulher tinha que ter qualquer coisa além da beleza? No dia dos namorados, preferem chocolates acompanhados de belas flores e um bilhete romântico, ou uma caixa daquelas famigeradas barrinhas proteicas? Triste dilema, caros mancebos.

Ainda prefiro a moça que não se escusa de dividir comigo uma garrafa de cerveja num sábado de calor, tampouco se furta ao prazer de uma carne suculenta, afinal cerveja e churrasco fazem parte do banquete dos deuses do Olimpo.  Que sabe olhar além das supostas imperfeições refletidas no espelho, e que descobriu que a melhor forma de se caminhar pela vida é pisando leve, com passos lépidos de criança. Que há tempos superou o jogo das aparências, e aprendeu a enxergar no fundo dos olhos de quem a contempla a estética da alma.


Gurupi, 21 set 2015.

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