Aqui os navios se escondem para morrer.     Nos porões vazios, só ficaram os ratos   à espera da impossível ressurreição.     E do esplendor do mundo sequer restou   o zarcão nos beiços do tempo.     O vento raspa as letras   dos nomes que os meninos soletravam.     A noite canina lambe   as cordoalhas esfarinhadas     sob o vôo das gaivotas estridentes   que, no cio, se ajuntam no fundo da baía.    Clareando madeiras podres e águas estagnadas,   o dia, com o seu olho cego, devora o gancho     que marca no casco as cicatrizes   do portaló que era um degrau do universo.     E a tarde prenhe de estrelas   inclina-se sobre a cabine onde, antigamente,     um casal aturdido pelo amor mais carnal   erguia no silêncio negras paliçadas.     Ó navios perdidos, velhos surdos   que, dormitando, escutam os seus próprios apitos    varando a neblina, no porto onde os barcos   eram como um rebanho atra...