quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O estudo da gramática

por Rubem Fonseca


Você está triste?

Não sei. Talvez.

Tristeza dá câncer, sabia?

Pensei que dava verruga no nariz.

Estou falando sério.

Ultimamente você vive falando sério.

Quando eu brincava você reclamava.

Nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Você colocou vírgula depois de mar.

Estou falando, não estou escrevendo.

Mas na sua fala tinha uma vírgula depois de mar?

Não. Você está fazendo uma análise sintática e morfológica da frase?

Na frase há o uso da figura de sintaxe chamada elipse.

Chega. É por coisas assim que eu não quero mais viver com você.

Porque eu sei gramática e você não?

Entre outras coisas.

Não gosta mais de foder comigo?

Usarei uma elipse aqui. Ou melhor, uma zeugma.

Zeugma é um substantivo masculino.

Um zeugma, então.

Significando?

Que é fácil subentender.

Subentender por que você não gosta mais de foder comigo?

Precisamente. Pensa.

Estou pensando e não consigo.

Pensa em nós dois na cama.

Você sempre se manifesta pomposamente na hora do orgasmo.

Pomposamente? Explica.

Exibição de magnificência sensual. Mímica.

Mímica?

Mímica. Muito bem-feita.

Vou fazer as malas. Diga: já vai tarde.

Já vai tarde.

E esses olhos úmidos de lágrimas?

Mímica.

Acho que vou ficar mais um pouco.

Um pouco?

Uns dias.

Dias?

Pensando bem, uns meses. Mas você me ensina gramática durante esse tempo.

Então deixa de ficar triste.

Tenho uma razão. Já estou com câncer.

Jura?

Juro. Pulmão. O cigarro.

Meu amor, vou cuidar de você.

Mas antes me ensina gramática

Texto extraído de "Axilas e outras histórias indecorosas", de Rubem Fonseca, Editora Nova Fronteira - 2011


Retirado do site Releituras.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

MATINAS

Somente após despir-se a
noite
Do seu negro véu ornado de
sonhos e estrelas
É que pode despertar
manhã
Abraçada pelas brumas do
futuro


Na flor matinal do seu sorriso
Colho meu sol
De cada dia


Glauber R.

Soneto de carnaval

por Vinicius de Moraes

Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranqüila ela sabe, e eu sei tranqüilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.


Oxford, 02.1939

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Nauro em primeira pessoa

Sensacional documentário retratando a poesia e o cotidiano do genial poeta maranhense Nauro Machado, onde o próprio despe-se de qualquer pudor para dar vida aos seus versos.

Camões, nosso "pai"


1524 ou 1525: Datas prováveis do nascimento de Luís Vaz de Camões, talvez em Lisboa. 
1548: Desterro no Ribatejo; alista-se no Ultramar. 
1549: Embarca para Ceuta; perde o olho direito numa escaramuça contra os Mouros. 
1551: Regressa a Lisboa. 
1552: Numa briga, fere um funcionário da Cavalariça Real e é preso. 
1553: É libertado; embarca para o Oriente. 
1554: Parte de Goa em perseguição a navios mercantes mouros, sob o comando de Fernando de Meneses. 
1556: É nomeado provedor-mor em Macau; naufraga nas Costas do Camboja. 
1562: É preso por dívidas não pagas; é libertado pelo vice-rei Conde de Redondo e distinguido seu protegido. 
1567: Segue para Moçambique. 
1570: Regressa a Lisboa na nau Santa Clara. 
1572: Sai a primeira edição d’Os Lusíadas
1579 ou 1580: Morre de peste, em Lisboa.


Para quem acha que a poesia de Luís Vaz de Camões pertence ao passado, nada melhor do que reler um poema do pai da língua portuguesa extremamente atual e vigoroso, escrito há mais de 400 anos. Somente a poesia de um gigante pode sobreviver incólume por tanto tempo.


MUDAM-SE OS TEMPOS...

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, 
muda-se o ser, muda-se a confiança; 
todo o mundo é composto de mudança, 
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades, 
diferentes em tudo da esperança; 
do mal ficam as mágoas na lembrança, 
e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto, 
que já coberto foi de neve fria, 
e, enfim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia, 
outra mudança faz de mor espanto, 
que não se muda já como soía.  


E ao mestre maior, o poeta gaúcho Carlos Nejar dedicou seus versos:



Luís Vaz de Camões


Não sou um tempo
ou uma cidade extinta.
Civilizei a língua
e foi resposta em cada verso.
E à fome, condenaram-me
os perversos e alguns
dos poderosos. Amei 
a pátria injustamente
cega, como eu, num 
dos olhos. E não pôde 
ver-me enquanto vivo.
Regressarei a ela
com os ossos de meu sonho
precavido? E o idioma
não passa de um poema
salvo da espuma
e igual a mim, bebido
pelo sol de um país
que me desterra. E agora
me ergue no Convento
dos Jerônimos o túmulo,
que não morri.
Não morrerei, não
quero mais morrer.
Nem sou cativo ou mendigo
de uma pátria. Mas da língua
que me conhece e espera.
E a razão que não me dais,
eu crio. Jamais pensei 
ser pai de santos filhos.